Ailton Salomé Dutra
O Estado de Direito atualmente vigente rege todas as condutas em sociedade, positivas e negativas (o que pode e o que não pode ser feito), seus direitos e deveres, não havendo ramo na vivência humana em que a lei não esteja presente.
Deste ajuste do direito positivo (escrito), quase que fixo, à sociedade, subjetiva e mutável nos seus comportamentos, surgiu a necessidade de adequação do mundo fático à definição escrita na lei, a qual nunca alcançará a descrição exata de todo o comportamento humano. Neste confronto entre a realidade dos fatos e as normas subjetivas das leis, os aplicadores do direito constantemente debatem sobre até onde a regra escrita pode ter um entendimento extensivo a fato não esmiuçado na lei.
Nos atendo às normas tributárias, temos que esta extensão de entendimentos, na indefinição “do que aplicar no quê”, surge a figura das presunções legais (derivadas de leis) e das presunções comuns (derivadas do entendimento do aplicador do direito), ambas utilizadas nas ações de avaliação de ofício dos débitos tributários.
É forte a corrente de que no Direito Tributário, especialmente em relação aos doutrinadores da área privada, de que deve imperar soberanamente o Princípio da Estrita Legalidade, não se admitindo qualquer entendimento que não dentro das quatro linhas demarcatórias daquela norma legal.
Em via contrária, aceita também por alguns doutrinadores privatistas, públicos e pelos operadores tributários, há o entendimento de que o uso das técnicas presuntivas, legais ou comuns, são as formas mais rápidas de se adequar o direito às alterações diárias e sucessivas das situações tributárias. Enfim, uma corrente defende a sua aniquilação, a outra a sua necessidade!
Para o Direito Fiscal, as presunções possuem duas razões de ser bem definidas: 1) a dificuldade de provar certos fatos por via direta; 2) a estabilidade e a economia na aplicação do direito. “É notório que sem o uso dessa ferramenta, o direito seria de maior complexidade na sua adequação com a realidade fática, eis que eclodida a presunção da necessidade do magistrado ou do executor da norma em resolverem casos práticos, à vista da inexistência ou da dificuldade de prova direta em determinadas circunstâncias.” (Enciclopédia Saraiva de Direito/coordenação do Prof. Limongi França. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 60, p.410).
Se uma anotação que esteja sob o balcão, com uma indicação de valor e o fisco usa este documento como base para uma autuação, estará ele então se utilizando de um “indício” de que houve uma venda tributada sem documento fiscal, utilizando-se da técnica da presunção comum, cabendo neste caso o ônus da prova do ilícito ao acusador.
Já as presunções legais partem de previsões constantes em leis, cujos fatos previstos por elas são tidos como verdadeiros, ora aceitando provas contrárias (relativa), ora não acatando nenhuma prova divergente (absoluta); esta regra jurídica cria a presunção legal baseando-se no fato conhecido, cuja existência é certa, impondo a certeza jurídica da existência do fato desconhecido, cuja existência é provável em virtude da correlação natural de existência entre estes dois fatos. Ou seja: a lei já prevê que o ato “x” terá consequência “y”.
O não registro de uma nota fiscal de uma despesa é tida como uma presunção legal relativa (para praticamente todos os tributos) de que se omitiu receita tributada e assim se deixou de pagar imposto, mas sendo possível apresentar qualquer prova lícita que possa desconstituir a presunção. Já a equiparação a contribuinte do devedor do ICMS, a uma pessoa física que efetua uma importação, é um exemplo da presunção legal absoluta, não admitindo prova em contrário do fato se consumado.
Portanto, dentro das linhas legais, é possível sim haver o uso de técnicas de presunção para lançamentos tributários, devendo tanto o autor da notificação quanto ao acusado se aterem à situação se a prova do alegado tributo ou multa devidos será do fisco (presunção comum) ou do contribuinte (em casos de presunção legal), o que pode ser elemento essencial para a manutenção da exigência do erário ou a sua derrocada proposta pelo contribuinte, a fim de que não se rompa a cápsula da legalidade e da segurança jurídica. A esta exposição também deve estar adrede a informação de que criar hipótese de incidência ou onerar o tributo, via presunções, irá ferir o ato de morte, pois tais medidas são restritas a atos legislativos e as presunções apenas para as verificações do fisco.
Advogado especialista em Direito Tributário, Direito Empresarial, bacharel em Ciências Contábeis e auditor fiscal estadual aposentado
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