Paulo Argollo
Pioneirismo. Riqueza. Muito trabalho. Solos férteis. Povo orgulhoso e defensor de seus direitos. É claro que tudo isso caracteriza o estado mais rico do Brasil, a locomotiva que move o país! Mas como nem tudo é o que parece ser, obviamente eu não estou falando de São Paulo, mas sim de Pernambuco. Tudo bem que hoje é o décimo estado em riqueza e o sétimo mais populoso. Mas até o século XVIII Pernambuco era uma potência! Antes mesmo da fundação de Salvador, foi em Pernambuco que as primeiras atividades comerciais começaram. Logo depois da chegada de Cabral, os portugueses passaram a frequentar a região do cabo Santo Agostinho com frequência para coletar pau-brasil. Claro, os franceses também apareciam já nessa época, mas era tudo por baixo dos panos. E a relação entre Brasil e França no século XVI é uma passagem tão rica da nossa história que merece ser detalhada em outro momento.
Mas voltando a Pernambuco, em 1516 foi construído o primeiro engenho de açúcar do Brasil, no litoral de Recife. No início do século XVII a província de Pernambuco era o maior pólo produtor de açúcar do mundo! Tanto que chamou a atenção dos holandeses, que eram quem refinavam o açúcar na Europa. Era assim, o açúcar saía daqui in natura, parecido com o que a gente conhece como açúcar mascavo. Na Holanda ficavam as principais refinarias de açúcar da Europa, e todo o açúcar saído do Brasil ia para lá, para depois ser levado já refinado para Portugal, onde seria comercializado. Mas a invasão holandesa também é um capítulo fascinante da história do Brasil e deve receber tratamento especial. Então vamos dar sequência.
Mas a gente sabendo que Pernambuco tem essa importância toda na história brasileira, fica fácil entender porque aquela região foi palco de tantas revoltas e conflitos. Algumas dessas revoltas foram legítimas, dignas e, ainda que não tenham tido um desfecho justo, enobrecem muito o povo pernambucano. Já outras revoltas foram meio capengas, se apoiando em discursos muito bonitos, mas com objetivos concretos que não condiziam com os conceitos de liberdade e igualdade que se imagina. A maior dessas revoltas é um ótimo exemplo. A Revolução Pernambucana de 1817 pressupõe-se ter sido uma revolta a favor da independência do Brasil, inspirada nas ideias iluministas e a favor da abolição dos escravos. Essa mesma conversa se repetiria 18 anos depois no Rio Grande Do Sul. Só que a gente sabe que a Revolução Farroupilha não foi bem assim. Nem a Revolução Pernambucana.
Naquele comecinho do século XIX, Pernambuco era a capitania mais rica, populosa e efervescente do Brasil. O porto de Recife era movimentadíssimo, e o grande fluxo de estrangeiros fazia com que livros e ideias que rolavam na Europa chegassem por lá rapidamente. Boa parte da população recifense, entre donos de engenho, autônomos e comerciantes, era afeita a todas essas novidades europeias. Foi assim que surgiu, por exemplo, a primeira loja maçônica do Brasil. A Sociedade Secreta Areópago de Itambé foi fundada em 1796 pelo médico Manuel Arruda Câmara na cidade de Recife. Já em 1800 foi fundado o Seminário Maior Nossa Senhora da Graça, mais conhecido como Seminário de Olinda, onde curiosamente, junto com os ensinamentos religiosos, eram estudados conceitos do iluminismo e das ciências naturais. Essas duas sociedades, a maçonaria e o clero, formariam o epicentro da revolução que estava por eclodir.
Em 1808 chega no Brasil a família real portuguesa, fugindo de Napoleão. Mesmo Pernambuco sendo a região mais próspera do país, a corte portuguesa se estabeleceu no Rio de Janeiro, a capital do Brasil desde 1763, por estar mais próxima da Gerais, a corrida do ouro e etc. Acontece que com a realeza estabelecida no Rio de Janeiro, Dom João VI mandou para Recife um punhado de aspones para exercer cargos que não serviam para nada, além de aumentar consideravelmente os impostos, que eram todos revertidos para bem feitorias no Rio de Janeiro. Os pernambucanos começaram a ficar bem bravos com a situação. Por muito menos já tinha rolado anos antes a Revolta dos Mascates e tal. Quando alguns portugueses vindos do Rio de Janeiro, a mando de Dom João VI, assumiram altos cargos administrativos de Recife e um imposto passou a ser cobrado em todo Pernambuco para implementação de luminárias nas ruas do Rio de Janeiro, a maçonaria e os padres que já vinham inflamados pelo iluminismo decidem declaram independência, fazer de Pernambuco uma república, expulsar os portugueses, libertar os escravos e… peraí. Libertar os escravos, talvez. Depois a gente conversa melhor! Mas o importante é a aristocracia pernambucana não ser mais explorada por altos impostos e ser comandada por estrangeiros.
Assim, em 6 de março de 1817, a Revolução Pernambucana foi deflagrada. O capitão José de Barros Lima comandou um pelotão de infantaria que começou a sitiar Recife. O comandante português Barbosa de Castro, deu voz de prisão ao capitão por insurgência. Num arroubo de violência o capitão matou o comandante português a golpes de espada. Aí não tinha mais como voltar atrás. A Revolução tinha por mentores membros da maçonaria que eram militares e padres com ideais revolucionários como o padre João Ribeiro e o famoso Frei Caneca. No dia seguinte, 7 de março, os revoltosos conseguiram tomar a casa do tesouro régio, onde ficava a administração da capitania, a bandeira do reino português foi retirada e hastearam a bandeira branca pernambucana. Foi declarada a independência da república de Pernambuco!
No dia 29 de março uma assembléia constituinte foi convocada, com representantes de várias partes de Pernambuco. Estabeleceu-se ali a separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário, o catolicismo foi declarado relgião oficial, mas foi proclamada a liberdade de culto. Também foi proclamada a liberdade de imprensa. Olha, muito liberais eles. Mas a liberdade dos escravos… pô, mas aí quebra os senhores de engenho, né… e os outros nobres que estão bancando essa confusão toda… vamos deixar assim por enquanto. Depois a gente vê o que faz. Nisso, emissários políticos eram enviados à região para fazer alianças e garantir a autoridade da república. Rio Grande do Norte e Paraíba logo aderiram à república Pernambucana, mas Bahia e Ceará se negaram a negociar. Foi quando o caldo começou a engrossar.
Dom João VI não poupou esforços para conter a revolta e mandou muitas tropas. Os embates foram sangrentos. Tropas reais portuguesas avançavam pelo interior da Bahia, enquanto navios da marinha portuguesa fechavam o porto de Recife. Cercados, sem conseguir fazer comércio, num calor arretado, e num lugar onde a monocultura do açúcar e do algodão predominavam, foi inevitável a escassez de comida já durante o mês de abril. No dia 19 de maio de 1817, as tropas reais finalmente invadem Recife e prendem os revolucionários. 14 homens, entre militares e padres foram julgados, condenados à morte por crime de traição e lesa majestade e executados na forca ou por fuzilamento.
No fim das contas, a Revolução Pernambucana ficou no imaginário, em especial dos pernambucanos como um levante heroico, libertário e patriota. Mas não foi bem assim, né… tal qual a Revolução Farroupilha, eram só um punhado de nobres que não queriam pagar impostos muito altos e queriam mandar no próprio nariz. Claro que revoltas como essas são importantes e fazem parte da história, que sempre acaba sendo uma fabulação em cima dos fatos que realmente aconteceram. Tem o seu valor por ter por trás ideais dignos e justos e tal. Mas na prática, não era bem assim, tanto é que ficavam na conversa, mas ninguém, nem pernambucanos e nem gaúchos, chegaram de fato a abolir os escravos. E olha que os movimentos abolicionistas na Europa estavam bombando naquela época.
Mas enfim, foi mais um capítulo interessante da nossa história, e que completa 205 anos neste mês. A Revolução Pernambucana vale ser lembrada para celebrar tudo que o Pernambuco tem de bom, em especial uma cultura riquíssima, única e cheia de personalidade! Que os pernambucanos continuem a ser eternamente revoltados!
HOJE EU RECOMENDO
Disco: Da Lama ao Caos
Artista: Chico Science & Nação Zumbi
Ano de lançamento: 1994
Se é pra celebrar Pernambuco, que seja ao som de um dos discos mais inspirados dos anos 90 no Brasil. O revolucionário da Lama ao Caos. Disco indispensável!