Uso continuado aumenta os riscos de sangramentos cerebrais em pessoas saudáveis com mais de 70 anos; por outro lado, quem já teve algum evento cardiovascular pode seguir a medicação com acompanhamento médico.
Por Fernanda Bassette
Uma nova análise de dados de um estudo feito com idosos — o Aspirin in Reducing Events in the Elderly (ASPREE) — reforça que a aspirina não deve ser usada diariamente por pessoas saudáveis e sem histórico cardiovascular para a prevenção primária de Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou de outros eventos cardíacos. Isso porque o uso contínuo da medicação aumenta os riscos de eventos mais graves, como sangramentos cerebrais, intracranianos e gastrointestinais, superando assim os efeitos da medicação.
Realizado na Austrália e nos Estados Unidos (EUA), o estudo incluiu mais de 19 mil indivíduos com idade mínima de 70 anos e ausência de doenças cardiovasculares. O grupo foi acompanhado ao longo de uma média de cinco anos. A análise, publicada no Jama Network, revelou que as taxas de ocorrência de AVC isquêmico e AVC hemorrágico foram semelhantes entre os pacientes que receberam a dose diária de 100 mg de aspirina e os que tomaram o placebo. Além disso, os pesquisadores identificaram um aumento de 38% no risco de hemorragias entre aqueles que fizeram uso diário do medicamento.
Os resultados apontam que os pacientes que faziam uso regular da aspirina sofreram 20 AVCs isquêmicos a menos, mas tiveram 29 eventos de hemorragia intracraniana. O risco de hemorragia intracraniana foi de 1,1% para os usuários de aspirina e de 0,8% para os usuários de placebo – por isso, os autores afirmam que não há nenhuma vantagem nesse uso supostamente preventivo.
O trabalho endossa a recomendação da Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA publicada no ano passado. A diretriz foi elaborada por um grupo de especialistas independentes e afirma que a aspirina não deve ser prescrita para prevenir um primeiro ataque cardíaco ou AVC em idosos saudáveis. Por outro lado, para as pessoas que já sofreram um AVC ou um infarto, por exemplo, o uso diário do medicamento continua sendo indicado como parte dos cuidados preventivos de uma nova ocorrência.
“Há mais de duas décadas, a aspirina é um dos principais medicamentos recomendados para evitar a recorrência de AVC em pacientes que tiveram um AVC isquêmico [quando a circulação sanguínea é interrompida pela formação de um coágulo]. É uma medicação que tem uma propriedade antitrombótica, evita a formação de coágulos, e por isso, ela funciona como prevenção para essa população”, explicou Gisele Sampaio, neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
No entanto, devido ao seu efeito protetor na prevenção de um segundo AVC, a aspirina foi utilizada de maneira indiscriminada por um longo período por pessoas que nunca haviam sofrido um evento cardiovascular na tentativa de prevenir a ocorrência do primeiro AVC ou problema cardíaco.
“O problema é que toda medicação tem seu risco-benefício e o mecanismo pelo qual a aspirina protege de um segundo evento cardiovascular é tornando o sangue menos coagulável, e isso pode ter consequências. Existe um risco associado ao uso do medicamento em longo prazo e esse risco ultrapassa os benefícios que a aspirina pode trazer em um paciente que não tem risco cardiovascular elevado o suficiente para usar a medicação”, explicou a neurologista.
Segundo Sampaio, as evidências têm demonstrado que não há benefícios no uso da aspirina diariamente por pessoas saudáveis. “Na verdade, nunca houve um estudo que comprovasse que o uso primário da aspirina em paciente de baixo risco cardiovascular traria benefícios para as pessoas. O uso acontecia na prática clínica, mas sem um estudo comprobatório. E esse trabalho atual vem reafirmar o que vínhamos observando em estudos epidemiológicos maiores de que o uso profilático não deve ser feito por causa dos riscos”, reforçou a neurologista.
Busque orientação médica
As descobertas desse estudo não se aplicam a todo mundo: pessoas que já tiveram algum evento cardiovascular e fazem o uso da medicação têm indicação para isso. Por isso, a médica ressalta que ninguém deve interromper abruptamente a medicação sem antes falar com o médico para avaliar se está ou não no perfil de pessoas nas quais os riscos da aspirina superam os benefícios. “A mensagem final é não suspender nem iniciar o uso da aspirina sem orientação médica”, completou.
Fonte: Agência Einstein
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