“Rapaz, a agenda era apertada. Tinha de programar tudo na choperia para que a coisa funcionasse bem na minha ausência. Selecionei pessoas da minha confiança para trabalhar. A partir daí, estipulava metas, fazia programação e deixava os negócios sob os cuidados desses funcionários. Claro que o resultado não é o mesmo quando o patrão está no local. Ausência gera acomodação. Havia uma perda. Mas pelo amor à arbitragem, acabava abrindo mão”, afirmou Marcelo Aparecido.
Ao todo foram 22 anos de carreira pelos gramados do Brasil. Em seu currículo, ele trabalhou em todas as esferas de competições, desde a elite no Nacional até finais de Campeonato Paulista, Copa do Brasil e ainda decisões de títulos dos Brasileiro das Séries B e C.
A despedida aconteceu em janeiro deste ano no jogo em que o Cruzeiro venceu o Operário-PR por 2 a 1, pela Série B. “Essa pandemia me fez rever os conceitos. Quero estar mais em casa”, disse o ex-árbitro de 49 anos que, por mais de duas décadas, perdeu datas importantes do seio familiar, como aniversários e festas. “Normalmente os jogos são nos finais de semana e estamos sempre viajando. Perdi aniversários, datas comemorativas como dia dos pais, batizados e outras coisas. Era uma rotina sacrificante”, comentou.
Incertezas e pressão. Essa dupla combinação condiciona o profissional do apito a se equilibrar em meio a polêmicas que invariavelmente mexem com o lado emocional não só de torcedores, mas também de dirigentes e jogadores que estão sob o seu comando.
No olho do furacão, os árbitros ainda vivem um paradoxo: enquanto no futebol, os setores envolvidos caminham para a profissionalização, eles seguem refém do amadorismo numa engrenagem que os remunera por jogo trabalhado e não oferece nenhum tipo de direito trabalhista no cumprimento do seu ofício dentro das quatro linhas.
Em entrevista ao Estadão, Arnaldo Cezar Coelho disse ser contra a profissionalização da arbitragem sob alegação de que, alguns chegam a juntar de R$ 30 mim a R$ 40 mil por mês. As cifras reveladas pelo ex-comentarista de arbitragem da TV Globo foram confirmadas por Marcelo Aparecido. No entanto, ele disse que as condições de trabalho estão longe de ser favoráveis para os árbitros que estão na ativa.
“Olha, um árbitro Fifa ganha cerca de R$ 5.500 por partida e chega a apitar de seis a oito jogos por mês. No caso de trabalhar em competições da Conmebol, essa remuneração é feita em dólar e isso ajuda muito. Já um juiz aspirante ganha por volta de R$ 3.500 na Série A.” No entanto, ele diz que as despesas e a falta de uma cláusula de proteção aos juízes têm de ser levada em conta. “Os árbitros precisam treinar, estar bem fisicamente e necessitam de um preparador físico. Tem de pagar um nutricionista. Fazer um convênio médico, e há ainda as despesas normais. E tem outra, se não tiver na escala dos jogos, não recebe nada. Ele pode se contundir. Quando o Campeonato Brasileiro acaba, por exemplo, não tem décimo terceiro nem férias. E o profissional já precisa estar preparado para apitar nos Campeonatos Estaduais do ano seguinte”, disse ao Estadão.
SEM TEMPO PARA MAIS NADA – Natural de Goioerê, no Paraná, Edina Alves Batista, de 41 anos, começou como ala armadora no basquete, mas acabou migrando para o apito por sugestão de um amigo. Destaque da arbitragem nacional, ela trabalhou na partida de abertura do futebol feminino nos Jogos de Tóquio entre Canadá e Japão.
Ao Estadão, a árbitra contou um pouco de sua rotina e disse não ter tempo para assumir uma outra atividade remunerada. “Vivo exclusivamente da arbitragem. Não é profissão, mas trato como se fosse. Estou em processo de Mundial e quando eles chamam para curso, você tem de ir. Quando tem evento da Conmebol, Fifa ou outra entidade, temos de comparecer também. Tem planilha de treino e agora trabalho online. E recebemos por jogo que apitamos.”
Relacionada para a Copa do Mundo de futebol feminino de 2023, que será realizada na Austrália e Nova Zelândia, Edina explicou um pouco sobre sua preparação para se manter em forma. A rotina de treinos é diária, menos nos dias de jogos. A tecnologia é outra aliada nessa preparação. “Temos um relógio, que é o polar e um GPS que vai nas costas. Tudo sincronizado. No portal, a descrição dos treinos tem de ser feita em inglês”, afirmou.
Os dados servem para analisar e corrigir alguma deficiência na parte física. Ali é tratada a parte aeróbica, parte de resistência e velocidade. “Além disso, tenho um preparador físico, um nutricionista e um fisioterapeuta que eu mesma pago”, completou Edina que desde 2016 ostenta a bandeira Fifa em seu uniforme. Claro, há ainda a parte mental, o conhecimento das regras e assistir às partidas de futebol.
MUITA PRESSÃO – Dos jogos da elite nacional para os campeonatos da divisão de acesso, a pressão em cima dos árbitros algumas vezes até aumenta. De acordo com um ex-juiz que trabalhou por cinco anos na A-2 do Campeonato Paulista e que não quis se identificar na reportagem, com taxas menores para remunerar esses profissionais, os juízes muitas vezes acabam se expondo de forma perigosa. “Quando o profissional é bom, ele acaba sendo escalado em um número excessivo de jogos e não tem direito a erro.”
Outro ponto abordado pelo ex-juiz leva em conta a questão cultural que envolve os torcedores locais com as partidas de futebol. “Existem muitos fatores que acabam complicando a missão dos árbitros. Acho que a educação, a forma como se encara o futebol e como o brasileiro lida com o erro ligado ao time dele são questões ainda complicadas”, afirmou o ex-juiz.
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