“O André (irmão dela e da segunda ex-mulher do presidente, Ana Cristina) deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'”, diz ela em um dos áudios.
Dados obtidos via quebra de sigilo bancário e fiscal já apontavam indícios da prática no antigo gabinete dele na Câmara. A devolução indevida pode configurar crime de peculato. Esse delito ocorre quando servidor se apropria ilegalmente de verba pública.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) já foi denunciado, com outros suspeitos, pelo Ministério Público do Rio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa por supostos desvios semelhantes. Foi nessa investigação que se obteve a quebra de sigilo de vários ex-assessores da família, além de mandados de busca e apreensão. A apuração foi aberta pelo Ministério Público do Rio. O motivo foi um relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) na Operação Furna da Onça. O documento apontou movimentações financeiras atípicas de assessores ligados a mais de 20 deputados estaduais.
Um desses parlamentares era Flávio, então com mandato na Assembleia Legislativa fluminense. A existência da investigação foi revelada com exclusividade pelo Estadão, em dezembro de 2018. Outro filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) também é investigado sob suspeita da mesma prática. Nesse caso, negado pelo “Zero Dois”, os desvios teriam ocorrido na Câmara Municipal do Rio. Lá, a segunda ex-mulher do hoje presidente, Ana Cristina Siqueira Valle, foi assessora de Carlos.
Os Bolsonaros negam irregularidades
A prática da rachadinha consiste, na prática, em empregar funcionários “fantasmas”. Esses servidores devolvem partes significativas dos salários aos parlamentares que os nomeiam. Com isso, uma pessoa que não trabalha ganha um valor razoável por mês. Já o político ganha ainda mais dinheiro por meio do desvio de recursos públicos. Em alguns casos, a suspeita é que quase todo o salário fosse devolvido aos deputados.
Nas mensagens que trocava com pessoas próximas, a fisiculturista Andrea também chama Bolsonaro de ‘Zero Um’, segundo o UOL. Durante toda a vida política, o clã manteve o hábito de trocar assessores entre si. Isso fez com que a investigação contra Flávio revelasse suspeitas envolvendo outros gabinetes. Os ex-funcionários tiveram dados bancários, conversas telefônicas e outras possíveis provas reveladas via autorização da Justiça.
Outra reportagem publicada pelo UOL nesta segunda-feira, 5, revela que um amigo de Bolsonaro recolhia salários para devolver ao patrão. Coronel da reserva do Exército, Guilherme dos Santos Hudson é citado por Andrea, sua sobrinha. Seria um dos responsáveis por pegar os salários dos fantasmas. “O tio Hudson também já tirou o corpo fora, porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e buscava no banco era ele”, descreve a fisiculturista. Além dele, outro assessor fazia, segundo o MP, o mesmo serviço para Flávio. Era Fabrício Queiroz, que também é investigado.
Hudson serviu ao Exército com Bolsonaro. Conheceram-se nos anos 1970, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). A família da segunda ex-mulher de Bolsonaro é de Resende, no Sul fluminense. Na cidade, fica a Aman. Foi lá que o então deputado e Ana Cristina venderam um terreno em dinheiro vivo a Hudson em 2008. O negócio foi revelado pelo Estadão em setembro de 2020.
O terreno foi negociado por R$ 38 mil. Isso equivale a R$ 71 mil em cifras corrigidas pela inflação. A propriedade fica em um condomínio de luxo. Imóveis semelhantes são bem mais caros em sites especializados. Esse tipo de operação, com suposto subfaturamento, em geral desperta suspeitas de pagamentos “por fora”, ou seja, sem registro na escritura.
Defesa chama áudios de ‘clandestinos’ e diz que tentam ‘armar’ contra família do presidente
Em nota, a defesa de Flávio classifica as gravações como “clandestinas”. Os áudios estariam nos autos da investigação do MP, conforme a reportagem do UOL. “Gravações clandestinas, feitas sem autorização da Justiça e nas quais é impossível identificar os interlocutores não é (sic) um expediente compatível com democracias saudáveis. A defesa, portanto, fica impedida de comentar o conteúdo desse suposto áudio apresentado pela reportagem.”
Os advogados também mantiveram o discurso de que Andrea trabalhava regularmente para Flávio na Alerj e cumpria a jornada devida.
“Flávio Bolsonaro, nas suas atividades parlamentares, não tinha como função fiscalizar e orientar a forma como a servidora usufruía do seu salário”, alegam.
“No tempo em que foi deputado estadual, nunca recebeu informação ou denúncia de que havia qualquer irregularidade no seu gabinete ou em relação ao pagamento dos colaboradores. Portanto, não passa de insinuação e fantasia a ideia de que o parlamentar participou de qualquer atividade irregular. Esse é apenas mais um ingrediente na narrativa que tentam armar contra a família Bolsonaro. Flávio Bolsonaro confia na Justiça e tem a certeza de que a verdade prevalecerá.”
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