Não são poucas as pessoas que dizem que o mundo atual está carente de pessoas que nos apontem um rumo para seguirmos em frente, se ficarmos apenas nos últimos trezentos anos da história veremos de modo inequívoco a miríade de pessoas que se autoproclamaram salvadores da pátria, guardiões da moral, da ética e dos bons costumes, outros tiveram uma audácia maior em querer conquistar o mundo custasse o que custasse tudo regado a belos discursos, desfiles demonstrando uma força descomunal, mas no final acabaram caindo da noite para o dia; tais “conquistadores” hoje só são lembrados a muito custo, algum livro de história lhes dedicando algumas linhas numa página qualquer, tiveram a sua importância apenas de modo efêmero; suas “conquistas” hoje nos causam vergonha, incômodo e repulsa, o poder que tiveram foi usado apenas e tão somente para si próprios.
Na era da vacuidade deixada pelo ser, o nosso olhar se volta para um dos homens mais intrigantes de todos os tempos, seu nome: Aurélio Agostinho (354-430), nascido em Tagaste, hoje Souk-Ahras, Argélia, norte da África, um espírito inquieto desde criança, sempre aberto ao conhecimento e esse aliado à leitura foi estudar em Cartago, depois em Roma e Milão, tornando-se um exímio professor de retórica. Em sua busca pela verdade perambulou ao redor de muitos autores, entre os quais Platão, Cícero, Plotino e também Santo Ambrósio com quem teve a graça de tecer intensos e profundos debates. Agostinho jamais se contentou em levar uma vida medíocre seja em termos de fé, conhecimento, bem, justiça e amor pela verdade última; uma personalidade tão forte que hoje passados mais de mil e quinhentos anos de sua morte continua presente, atual e nos deixando inquietos.
Santo Agostinho escreveu muito para os padrões da sua época e também devido aos recursos que possuía naquele momento, isso quando colocado lado a lado com a atual civilização tecnológica na qual estamos imersos, isso acaba nos deixando de algum modo envergonhados; suas principais obras podemos destacar são: Confissões, Cidade de Deus, Contra os Acadêmicos, dentre muitos outros; é certo também que uma grande parte de escritos da sua autoria sumiram e nunca mais foram encontrados. Nas suas obras podemos claramente observar os seguintes temas: a lei eterna e a lei natural, as leis humanas, a política, a justiça, a república, a guerra, a questão da propriedade e também a cidade, temas esses que depois de Agostinho ganharam novas conotações e ainda mais profundidade; sua atualidade é inegável, principalmente quando lemos Cidade de Deus e as Confissões.
A Cidade de Deus, é obra gigantesca composta por vinte e dois livros que levou aproximadamente quinze anos para ser finalizada, tem como pano de fundo o saque de Roma e com ele todas as suas consequências daí advindas, Agostinho nesse escrito faz toda uma profunda imersão na história humana, suas alegrias e também dores, o conflito entre o plano de Deus para a sua cidade e o plano do ser humano que constrói sua cidade de acordo com seus parâmetros. Segundo Agostinho, a primeira deveria ser a vencedora pois tem no seu meio aquilo de melhor que ela pode conter, isto é, o amor a eterna misericórdia divina, quanto à segunda, essa não poderia prosperar pois ao retirar Deus do seu centro, trouxe como modelo, imediatez, competição, gosto pelo supérfluo, imoralidade, miséria, além do desordenamento geográfico, o que aliás se observa ainda hoje vivamente.
Em relação às suas famosas Confissões, hoje se sabe que ela foi escrita quando Agostinho estava com quarenta anos de idade e nela há duas partes fundamentais, ou seja, o que Agostinho foi antes e o que ele é agora, em palavras mais simples, ele trata do seu antes, o seu agora e projeta o seu ser para o futuro, aí nota-se um bonito confronto, hoje chamado de profético e audacioso, haja vista que no tempo de Agostinho, rebelar-se contra os padrões da época, diga-se relativismo, era tido como algo insano. Importante ressaltar que o contexto de Agostinho, guardadas as devidas proporções é muito semelhante ao tempo que vivemos, a efervescência de acontecimentos em todos os campos do saber, a crise do ser, bem como os seus valores, a crise da verdade absoluta no meio do turbilhão chamado pós-verdade, fazem de Agostinho um autor antigo e sempre novo, algo primordial.
Bioeticamente, Aurélio Agostinho é uma da figura inspiradora, algo de imponente, mente invejável, provido de uma intelectualidade e santidade como poucos na história humana, fazem com que esse homem ainda hoje seja uma fonte de inspiração para muitas pessoas, o que atormentava Agostinho, atormenta o homem dito moderno, ainda com mais força, Agostinho ao longo da sua existência, desenvolveu temas até então desconhecidos por muitos e modo adequado, o seu caráter soube romper com aquilo que ele julgava incompatível com o seu estilo de vida agora adotado com total firmeza. Agostinho, padre, bispo, santo, ele não se dirige somente aos eruditos metidos a saber tudo de absolutamente nada, para esses talvez a sua mensagem seja de pouco valor; Agostinho fala para o ser humano do século XXI, ser esse engalfinhado numa trama gigantesca, um enorme enigma a ser desvendado, o ser do século XXI necessita fazer uma revisitação completa de si e também do seu entorno, sem isso dificilmente vencerá seus mais devastadores fantasmas.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética pela PUCPR, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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