Nesta semana, a cantora de forró Walkyria Santos relatou o suicídio do filho, Lucas, de 16 anos, e trouxe à tona o debate sobre o uso de redes sociais pelos jovens e os danos à saúde mental. “As pessoas destilando ódio na internet, deixando comentários maldosos. Meu filho acabou tirando a vida. Foram só os comentários nesse TikTok nojento que fizeram com que ele chegasse a esse ponto.”
No fim de semana, o jovem havia publicado no TikTok um vídeo simulando beijar um amigo. A publicação viralizou, com comentários críticos e mensagens homofóbicas. A mãe pediu que ele apagasse o vídeo, segundo contou o sócio de Walkyria e amigo da família, Alexandre César. O jovem, então, publicou novo vídeo, dizendo que não esperava tamanha repercussão. “Estou basicamente fazendo isso (pedindo desculpas) para não tomar uma surra tão grande, tão merecida, que vou morrer.”
Na manhã de terça, ele foi achado morto pela tia no quarto onde dormia, em um condomínio em Parnamirim, na região metropolitana de Natal. A causa da morte não foi confirmada – a polícia aguarda conclusão de laudos periciais -, mas a ocorrência é tratada, em princípio, como suicídio, segundo o governo estadual.
Especialistas alertam para a dificuldade de se estabelecer relações de causa e efeito nos casos de suicídios, que têm múltiplos fatores. Comentários negativos recebidos nas redes sociais podem ser um gatilho, mas dificilmente são a única causa para que um jovem desenvolva transtornos e tire a própria vida. O contexto familiar e até a genética interferem nos quadros. De toda forma, o uso das redes por crianças e adolescentes deve ser acompanhado pelas famílias, para prevenir situações de agressão e sofrimento.
No caso do TikTok, é baixa a presença de adultos entre os usuários das redes, o que deixa as crianças à vontade e dificulta o monitoramento de mensagens agressivas. “É uma rede de adolescentes novos. Certamente é um ambiente em que muita coisa vai rolar e nem todo mundo está atento a isso”, diz a psicóloga Juliana Cunha, diretora da Safernet Brasil, organização voltada à promoção de direitos humanos na internet.
Neste ano, a rede social anunciou mudanças: as contas de menores de 16 anos passaram a ser privadas, o que limita o alcance das publicações. Apenas adolescentes com mais de 13 podem criar contas, segundo regras do aplicativo – na prática, porém, crianças mentem a idade para entrar na plataforma.
Também houve maior cerceamento a mensagens de bullying – agora, há a opção de deletar vários comentários no TikTok ao mesmo tempo. As iniciativas fazem parte de uma tentativa das redes de responder às demandas por maior regulação. Em 2019, o Instagram decidiu esconder o número de curtidas nas publicações em reação às críticas de que os “likes” agravavam quadros de ansiedade.
Crianças e jovens que já têm transtornos mentais ou passam por dificuldades podem encontrar nas redes sociais publicações que reforçam o sentimento de exclusão e dor. Plataformas centradas na imagem, como o TikTok, podem reforçar a percepção de que todos em volta têm vidas e corpos perfeitos – o que é nocivo para a formação da identidade de crianças.
“Redes muito voltadas para a imagem, como o TikTok, tem um potencial de aumentar a valorização do corpo, do ‘ter’. O corpo dos jovens nas danças do TikTok é algo que os adolescentes gostariam de ter”, diz o psiquiatra e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Polanczyk. A vida paralela que os mais novos mantém nas redes já é investigada por psiquiatras e psicólogos quando os jovens chegam aos consultórios com transtornos.
“As redes sociais têm o papel de influenciar crenças que adolescentes têm sobre si mesmos. Se o mundo diz que você não tem valor, isso afeta seu senso de pertencimento”, diz Juliana. Por outro lado, se esse jovem tem acolhimento a sua volta, o apoio é um contrapeso diante de situações negativas.
Por meio de nota, o TikTok lamentou a morte de Lucas. Segundo a rede, a prioridade é dar apoio ao bem-estar da comunidade “e fomentar um ambiente acolhedor e inclusivo”. O TikTok também afirma que comentários de ódio são removidos e que trabalha com especialistas, para dar apoio a quem passa por um momento difícil.
Mediação
Pais devem acompanhar a vida digital dos seus filhos – e isso não quer dizer que precisam ter contas nas mesmas redes sociais. As famílias devem estabelecer acordos sobre como será feito o monitoramento das publicações. Podem, por exemplo, pedir que os filhos mostrem o que estão publicando ou combinar acessos periódicos às redes sociais.
Também é importante buscar informações sobre mecanismos de controle criados pelas próprias redes. Há opções, por exemplo, de filtrar comentários com palavras ofensivas, limitar o alcance de publicações e impedir as crianças de publicar vídeos ao vivo.
Preste atenção
1. Múltiplos fatores. O suicídio não tem uma só causa. Situações negativas vividas nas redes sociais podem ser o “gatilho”, mas não são o único motivo.
2. Diálogo. Pais devem ficar atentos a mudanças no comportamento dos filhos para identificar transtornos. Também devem estimular que falem sobre o que sentem – em diálogo sem julgamentos do tipo “é bobagem” ou “é falta de Deus”.
3. Ajuda. Ao identificar algum tipo de sofrimento, devem buscar ajuda profissional. Há canais gratuitos como o do Centro de Valorização da Vida (ligação 188).
4. Mediação. O uso das redes por crianças deve ser acompanhado pelos pais – mas não de forma escondida. É possível criar combinados como o de ver as publicações periodicamente. Também é preciso conhecer as redes que os filhos frequentam e definir limitações, como moderação de comentários. Cartilhas no site da Safernet (safernet.org.br) dão dicas para um bom uso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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