A escolha da poesia de João Apolinário, que divide a trilha marcada por Lukas Foss, Maria Bethânia, Chico Buarque, Beethoven, John Cage, entre outros, nasce a partir da ideia de um balé que homenageia os brasileiros mortos pela covid. “O balé é o recorte de um momento, uma homenagem a todas essas perdas, a todos os brasileiros que foram embora e continuam indo”, comenta Marika Gidali em entrevista ao Estadão por telefone.
A ideia de Fluorescência vem de um conceito da física que identifica a propriedade dos corpos em emitir luz como reação à radiação, e a radiação funciona como uma metáfora forte desses tempos em que o fluxo de informação é intenso e as incertezas habitam um cotidiano em que um vírus tão rapidamente muda a história. “A fluorescência ilumina o mundo. É uma peça que permite que cada um viva esse momento intenso de um jeito diferente e, ao mesmo tempo, reconhecendo que algo nos une. O balé é cheio de esperança, mas tem muitas doses de medo. Estamos juntos, mas também separados. É sobre uma resistência que, agora, não é somente financeira ou das pedras que estão no caminho normalmente, é uma resistência mais profunda”, diz Marika.
Diferente de outras obras da companhia, a proposta da nova coreografia de Décio Otero abre caminho para improvisação por parte dos bailarinos, um diálogo sobre as diferentes experiências, como flutuações, sem começo, meio ou fim.
A estreia chega em um dos momentos mais difíceis da história do Ballet Stagium. “Nossas memórias estão empacotadas em dois contêineres”, diz Marika, depois de receber uma ordem de despejo por não pagamento de aluguel, e precisar contratar contêineres para armazenar todo o acervo das mais de 80 coreografias da companhia. Dos 50 anos do Ballet Stagium, 47 foram de atuação no emblemático espaço da Rua Augusta, na cidade de São Paulo, onde, além dos ensaios, também era onde funcionava a escola do grupo. Aos muitos que cruzaram as paredes do pequeno prédio, é quase impossível imaginá-lo sem os cartazes de estreias históricas, a presença de Marika Gidali e Décio Otero ensaiando, ministrando aulas, dando entrevistas, conversando com alunos e bailarinos, as memórias espalhadas por todos os cantos.
“Foi uma coisa muito dolorosa, porque estávamos há 47 anos naquele lugar. Fomos despejados porque, a partir de março de 2019, as coisas começaram a piorar, diminuíram os trabalhos. Com a pandemia, então, quase tudo parou. As aulas continuaram, mas eram online e, por isso, perdemos muitos alunos. A gente perdeu aquele espaço. Emocionalmente, foi terrível”, conta Marika.
Depois da saída da Rua Augusta, o Stagium passou a ocupar uma sala na Oficina Cultural Oswald de Andrade. “A Oswald de Andrade nos recebeu com muito carinho e estamos conseguindo continuar a trabalhar. Mas foi um choque, porque a sala que temos disponível é muito menor. Agora, para a estreia, a Inês Bogéa (diretora da São Paulo Companhia de Dança) emprestou a sala grande para os momentos que Cia. não está usando a sala”, explica Marika.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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