‘Bem-estar sexual’ vira categoria e leva negócios eróticos a novo patamar

Na busca constante pelo bem-estar, é comum que o consumidor vá atrás de itens de cuidado com o corpo, exercícios físicos, produtos de skincare e de cuidados com o sono, sessões de terapia, ioga e até meditação. Mas há, também, quem já esteja de olho em uma parte importante desse mercado, ainda pouco reconhecido: o bem-estar sexual.
O tema atraiu mais olhares – e mais dinheiro – durante o isolamento social, quando foram criadas diversas sextechs (startups do setor do sexo). Agora, grandes empresas de outros nichos se juntam a essas startups para impulsionar o mercado e marcar presença no assunto.
O interesse dos consumidores – principalmente, o das mulheres – por produtos e serviços ligados ao mercado erótico tem crescido desde o começo da pandemia. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Portal Mercado Erótico, especializado no setor, o número de empreendedores triplicou no Brasil no ano passado. Já a consultoria KBV Research estima que o mercado de bem-estar sexual deve movimentar globalmente US$ 125 bilhões até 2026.
“O bem-estar é holístico, tem o bem-estar mental, físico, emocional e, agora, vem o bem-estar sexual. Tivemos muitos investimentos nas outras frentes, como alimentação, corpo e sono, ainda mais no contexto de estresse da pandemia. O movimento do bem-estar sexual acompanha o de bem-estar geral: empresas de meditação, ioga, o uso de tecnologia para que pessoas acessem isso. E a última fronteira é a sexualidade”, explica Lídia Cabral, especialista em tecnologia e inovação e fundadora da Tech4Sex, plataforma de tendências e pesquisas em sextechs.
De olho na mudança de comportamento das consumidoras e no potencial de crescimento do setor, a Amaro – varejista de roupas e acessórios – incorporou no seu portfólio produtos de bem-estar sexual. Para isso, a empresa fez parcerias com nove pequenas e médias marcas do setor, nacionais e internacionais.
“Depois de oito anos focados em moda, decidimos expandir para outras categorias de lifestyle: beleza, bem-estar e casa. O bem-estar sexual é uma categoria muito escondida, tanto no varejo físico quanto no e-commerce. Nunca são lugares com um branding legal, que deixa a consumidora à vontade para descobrir e aprender sobre os produtos. E as pessoas não falam muito sobre isso como marca ou varejista. Nenhum varejista conseguiu posicionar essa categoria como ela merece”, explica o CEO da empresa, Dominique Oliver.
Entre os produtos que começaram a ser vendidos, tanto no site quanto nas lojas físicas da marca, estão brinquedos íntimos, como vibradores (de R$ 289 a R$ 1.800) e cosméticos, como lubrificantes, óleos e sabonetes (com ticket médio de R$ 69).
O movimento segue uma tendência internacional, como aponta a especialista Lídia Cabral. “Do ponto de vista de mercado, lá fora as empresas estão mais atentas ao fato de que, quando elas trazem esses negócios para o contexto do bem-estar, o mercado se abre, porque por muito tempo a gente associou a sexualidade a coisas nem sempre positivas”, continua.
Os exemplos internacionais já são mais fortes do que no País. A Nordstrom, rede de departamento norte-americana, criou uma sessão de bem-estar sexual (ou sexual wellness, como é conhecida) em suas lojas. O Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa, abriu um espaço para produtos do setor em sua pop up store. Já a britânica Reckitt Benckiser (donas de marcas como Veja, Vanish e Jontex) comprou a Queen V, startup focada em higiene e bem-estar vaginal.
No Brasil, além da Amaro, quem já passou a olhar com atenção para o mercado do bem-estar sexual é a pequena Holistix, que há dois anos oferece produtos e serviços focados em saúde e bem-estar, como limpador de língua, almofada térmica e escova seca.
Para abarcar também o prazer sexual, no fim de 2020, a marca fez uma parceria com a sextech Lilit e passou a comercializar o Kit do Prazer, que vem com um guia de masturbação (desenvolvido por uma ginecologista) e um vibrador para iniciantes (R$ 289).
“O nosso time é basicamente formado por mulheres, então o bem-estar sexual já era um papo nosso. Começamos a perceber que tinha alguma coisa ali, vimos que o mercado brasileiro é um pouco mais erótico e entendemos que tem um lugar para a saúde, de conhecer seu próprio corpo, ter intimidade consigo mesma. Quando falamos de prazer não é simplesmente um hobby, mas algo que fisicamente pode fazer sentido para o seu corpo”, explica Nicole Vendramini, uma das fundadoras da empresa.
O caminho até as consumidoras
Para a criadora da Lilit, Marilia Ponte, a parceria com outras marcas (além da Holistix, a empresa também é uma das parceiras da Amaro) ajuda a vencer barreiras culturais impostas ao mercado do bem-estar sexual e chegar a novos clientes, de forma online e offline. A empresa, que nasceu no meio da pandemia, vende um vibrador bullet (R$ 289), desenvolvido para iniciantes.
“Com essas marcas, a gente acelera o crescimento e apresenta soluções para um público a que não conseguiríamos chegar. A gente não está falando com parte da população que já se sente super à vontade para entrar em um sex shop. A nossa marca fala com mulheres cujas principais preocupações são em que embalagem o produto vai chegar e o que o porteiro e o entregador vão pensar. Quando a gente corta esse caminho e entra na prateleira da Amaro, por exemplo, as mulheres já sabem como que o produto vai chegar, já confiam, aí fica mais fácil acelerar”, explica.
No caso de quem vende vibradores, as barreiras para chegar até lojas físicas, como farmácias e supermercados, por exemplo, são ainda maiores. Como não há regulamentação para esses produtos, a venda em farmácias e supermercados fica comprometida.
“Entrar em grandes varejistas é um sinal de que talvez a gente esteja caminhando para ter produtos mais acessíveis, olhando para a intimidade de forma integral, para o prazer e bem-estar e não só menstruação e contracepção – como absorventes, sabonete íntimo, lubrificante e preservativo”, destaca Marilia.
No virtual, apesar do crescimento de vendas no e-commerce no País (as vendas online cresceram 41%, segundo a consultoria Ebit-Nielsen), o alcance das marcas de bem-estar sexual também é limitado. “Por sermos uma marca que faz vibradores, a gente não consegue ter uma lojinha no Instagram, por exemplo, e aí não conseguimos patrocinar nossos posts. Também abrimos uma conta no Whatsapp Business para responder clientes e o número foi banido do aplicativo”, conta Marilia.
Investimentos
Além das parcerias de revenda, outro movimento das grandes empresas em relação às pequenas do setor de bem-estar sexual pode ser feito em forma de aceleração de negócio e investimento. A sextech Feel, que surgiu em 2020 vendendo gel de massagem íntima e óleo para desconforto pélvico, foi selecionada para o programa de aceleração GB Ventures, do Grupo Boticário.
“Em outubro, começamos a vender os dois produtos e em duas semanas vendemos o estoque de dois meses, sem trabalhar o marketing. Ainda que fosse um estoque pequeno, a gente viu que tem uma demanda reprimida. Então, ficamos ainda mais preocupadas em escalar e crescer. Hoje, a gente produz e vende e precisamos ter um estoque maior para ter tração”, explica uma das fundadoras da Feel, Marina Ratton.
Durante seis meses, a startup irá contar com a estrutura e mentoria do Grupo Boticário para desenvolver e acelerar o negócio. “Nós temos um amplo portfólio com produtos feitos para o autocuidado e o autocuidado íntimo é um segmento com um potencial enorme”, conta o vice-presidente de tecnologia do Grupo Boticário, Daniel Knopfholz. “A Feel se encaixou no primeiro pilar do nosso programa (o de Beautytech), pois já vinha construindo sua história em um mercado que só cresce.”
Em paralelo, as empreendedoras por trás da Feel correm atrás de investimento para a próxima fase do negócio. Na última semana, elas iniciaram uma captação de investimento em crowd equity pelo Wishe (fundo focado em investimento para startups lideradas por mulheres). Ao longo de 90 dias, elas precisam atingir a meta de R$ 550 mil.
“A evolução do debate social, com certeza, gera oportunidades de negócios nesse nicho, mas é também um lugar de muita oportunidade. Quer coisa mais escalável e praticada do que sexo? Todo mundo transa. A grande questão é como transa: com qualidade ou não. Tem muita oportunidade, principalmente olhando para lugares que ninguém está olhando. O movimento das varejistas olharem para a gente é porque é uma dor gigante que cabe solução”, destaca Marina.
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