Indecifrável em vários aspectos pela ciência, a covid-19 enseja estudos nos mais diversos no campo da neurologia, entre tantos outros. No Brasil, recentes pesquisas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre diversas outras, buscam uma compreensão mais sólida do crescente encaminhamento para consultas neurológicas de pacientes acometidos e curados, por parte de clínicos e intensivistas.
O paciente descreve sensações de falhas de memórias, de estar meio aéreo, mais lento, por vezes desconectado. Brain Fog é o nome em inglês dado ao cansaço mental prolongado sentido pelos pacientes após a infecção por covid-19. Além da fadiga e da sensação de confusão mental, são relatados também raciocínio lento e dificuldade de concentração e memorização.
Estima-se que pouco mais do que 30% desses pacientes tenham sintomas neurológicos. Contudo ainda não há um dado mais exato daqueles com queixas cognitivas pós-covid.
De qualquer forma, já existem linhas de raciocínio interessantes sobre os quadros teoricamente brandos do SARS-CoV-2. Resultados preliminares do estudo da Unicamp indicam que mesmo os episódios leves podem alterar o padrão de conectividade funcional do cérebro, causando uma espécie de “curto-circuito” sináptico.
“Sabemos que o SARS-CoV-2 tem um tropismo pelo sistema nervoso, uma propensão de infectar células nervosas. Outros tipos de coronavírus também o fazem. Embora a procura do vírus por PCR no líquor do paciente seja frequentemente negativa, o insulto ao cérebro acontece mesmo em casos leves”, explica Jerusa Smid, neurologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do HC-FMUSP e coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento.
Os sintomas da névoa cerebral podem aparecer até seis meses depois da infecção pelo coronavírus, porém seus sinais são deixados de lado pelo paciente por se assemelharem a de outros problemas como ansiedade, depressão, estresse, Jet lag e privação de sono.
De acordo com o psiquiatra do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) Michel Haddad, o problema por muitas vezes não é identificado ou é ignorado pelo paciente. “As queixas são sobre um esgotamento físico e mental. A pessoa apresenta um cansaço, falta vigor, com dificuldade para raciocinar e para executar tarefas”, explica o médico.
Apesar do incômodo e dos contratempos que pode causar, o problema costuma desaparecer depois de algumas semanas. O ideal é procurar atendimento especializado quando o Brain Fog se tornar um empecilho na rotina do paciente.
Parcela expressiva de quem sofre com o problema diz não ter retomado as atividades que eram comuns ao dia a dia, sobretudo, por fadiga e alteração da memória. “Em um cérebro normal, certas áreas são sincronizadas durante uma atividade, enquanto outras estão em repouso. Em pessoas que tiveram covid, há grave perda de especificidade da rede cerebral, o que, provavelmente, provoca mais gasto de energia do cérebro, deixando-o menos eficiente ao menos em primeiro momento”, pondera Clarissa Yasuda, professora da Unicamp e coordenadora de uma pesquisa sobre o assunto.
Perda de olfato
Além do brain fog, a perda do olfato também merece investigação continuada e explicações robustas, conforme Jerusa Smid, pois sempre há invasão do sistema nervoso central, por intermédio do bulbo olfatório. Também existem estudos sustentando essa invasão do vírus em astrócitos e outras células do sistema nervoso central.
Em casos mais graves da covid, são observados danos secundários ao sistema nervoso, associados ao processo inflamatório intenso com produção aumentada de substâncias chamadas de citocinas, distúrbios metabólicos e da coagulação, induzindo a sangramento ou isquemia cerebral (AVC).
“Agressões secundárias ao sistema nervoso central são comuns em paciente de UTI. Por vezes, ficam confusos, desorientados, com perda de memória e/ou de atenção. São manifestações que ocorrem frequentemente em doentes graves, não apenas na covid. É o que chamamos de delirium”, argumenta Jerusa Smid.
Esse comprometimento pode perdurar para além do ambiente hospitalar e não ocorre apenas associado à covid. Uma pneumonia bacteriana grave, por exemplo, pode reverberar no cérebro em razão da queda de oxigenação, por atividade inflamatória exuberante ou outras complicações metabólicas secundárias.
Contudo, o que intriga os neurologistas são as queixas em casos leves que nem merecem hospitalização. Diversos desses pacientes, depois de algumas semanas, começam a se queixar de alteração de atenção e de memória. “Há mesmo comprovação de interferência na função executiva, conhecida como a nossa capacidade gerir processos cognitivos, de planejamento e de execução de uma tarefa do começo ao fim. Na maioria, são quadros leves, mas podem levar a um comprometimento de atividades mais complexas, contextualiza Jerusa.
Como amenizar os sintomas
Auxilia na amenização dos sintomas de Brain Fog a prática de jogos e exercícios de concentração, linguagem, memória e raciocínio lógico, além de atividades físicas, alimentação saudável e boas noites de sono.
O psiquiatra Haddad reforça que a covid-19 e suas manifestações neurológicas ainda estão sendo estudadas e, por isso, não há tratamento específico para seus sintomas. “A terapia depende de cada caso, por isso, cuidar da saúde de modo integral é o mais indicado”, complementa o médico.
* Fonte: Abneuro.org e assessorias