Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
Nunca nesse país tão bonito, principalmente o atual momento que nele se vive foi tão importante pensar sobre a sua trajetória temporal, o que foi feito dele desde os primórdios, até agora e o que se pretende fazer dele para o futuro, se ele realmente terá um algum dia, como nos tem apresentado certas propagandas estilo paz e amor, como se aqui fosse o novo paraíso, cento e noventa e nove anos de (in) dependência não é pouca coisa; a cada comemoração dessa data, muitos fazem de conta que acreditam piamente, enquanto outros tantos fazem de conta que a tudo convencem. Nosso querido Brasil é do jeito que é, foi, e será sempre um produto, fruto unicamente da atividade humana, tanto para o bem, quanto para o mal; em pleno século XXI nossa amada terra natal recebeu pouco carinho e agradecimento, hoje no mínimo deveríamos lhe dizer muito obrigado Brasil.
Queiramos ou não, a nossa bela e majestosa nação convive cotidianamente com os seus detalhados paradoxos infindáveis, as várias esferas que compõem o Brasil parecem ou não querem se entender de modo algum, assim como a intolerância descabida que teima em fincar raízes por todos os cantos, o progresso que nunca chega, a não ser em pequenas doses homeopáticas e acaba se fazendo um estardalhaço sem fim quando na verdade sabemos que ele não beneficia todos, temos sido campões em causas nada nobres, nosso hedonismo em querer mostrar ao mundo que somos bons em tudo esbarra inevitavelmente na nossa cruel ignorância em não compreendermos o ser que habita nessa linda terra. Quando mais se precisa da união de todos, nosso país dá mostras de que prefere virar as costas para aquilo que lhe é mais fundamental e saudável; dá ambas as mãos para o vazio.
Em cento e noventa e nove anos de (in) dependência, os testemunhos falam por si, a condição humana com raras e louváveis exceções tiveram alguma relevância, as barreiras sempre existiram, o outro sempre olhado com aquela total desconfiança, o cinismo sempre dissimulado principalmente em momentos de grandes eventos esportivos, tentando passar uma imagem para o mundo de que aqui todos são iguais, quando na verdade todos sabem no seu silêncio ensurdecedor que é exatamente o contrário que impera. As ideias extravagantes que vem de fora, acham aqui terrenos férteis para se reproduzirem como moscas, verdadeiras armadilhas que no mais das vezes tendem a querer justificar tudo de quase tudo; esse admirável país não cansa de nos provocar, de nos interpelar sob variados ângulos sobre o que nos acontece e ao mesmo tempo a nossa mais ardorosa sonolência.
Dentre os tantos e tantos temas que merecem atenção dos brasileiros, alguns deles são de capital importância pois estão diretamente interligados, a falta de um deles pode vir a gerar um caos nunca visto, os brasileiros ao que tudo indica jamais souberam ter aquele encontro harmonioso com o meio ambiente, viram nesse apenas um meio para enriquecer, saciar seus desejos, sentir-se onipotente perante os demais seres extra-humanos, o resultado disso não poderia ser diferente, em outras palavras, o que assistimos hoje com perplexidade e medo é o resultado de não ver a natureza como uma fonte de vida e que quando abusada ao extremo mais cedo ou mais tarde ela se vinga sob variados eventos. Nunca fomos razoáveis em nossas vontades, jamais nos ensinaram que é preciso em muitas situações observar os limites da natureza; essa quando sente-se ameaçada reage.
Não menos doloroso é ver a crise hídrica se espalhar por todos os cantos do país, cidades grandes e pequenas estão experimentando na pele o que é ficar sem água por longos períodos, há relatos dramáticos de pessoas afetadas por esta situação, se puxarmos pela nossa memória com facilidade vamos lembrar de muitos lugares onde havia fontes de água em abundância que muitos julgavam serem inesgotáveis, mas hoje quando passamos por esses mesmos lugares, ao invés dos córregos e riachos vemos apenas os desertos verdes de soja, milho e outras culturas, em outras circunstâncias encontramos terrenos devastados, uma terra seca e sem vida, não raro ela está morta. O projeto que nos foi proposto como sendo aquele que produziria o melhor dos mundos, tornou-se então agora o pior dos demônios, esse mesmo não sabe sair da armadilha que ele mesmo criou e caiu.
Bioeticamente, temos nas mãos a oportunidade sem igual de revermos toda a nossa história e nos lançarmos para frente com outras perspectivas muito menos doentias do que aquelas que usamos até agora, o Brasil, ou melhor, o povo que nele vive precisa mudar a sua relação com praticamente tudo que existe ao seu redor, isso não se dará da noite para o dia bem o sabemos; sem aprofundarmos o que seja realmente a vida em todas as suas dimensões continuaremos na estaca zero e de nada adiantarão belas palavras, reuniões intermináveis, votações e discussões sem eira nem beira; o muito que tudo isso e muito mais pode produzir são as divisões que estão aí e não nos levam a nada, a não ser ficarmos afastados de tudo e de todos. Nossa (in) dependência hoje é assunto de primeira grandeza, nossa omissão em tratar tal tema com desleixo e desdém só nos faz ficarmos órfãos e anãos perante o restante do mundo; nossa recusa em aceitarmos que uma mudança de paradigmas se faz necessária poderá dentro em breve nos conduzir a um beco sem saída.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética pela PUCPR, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR
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