Brasileiros têm ‘vida normal’ no exterior após lockdown e vacinação

Enquanto o Brasil ultrapassa a marca dos 400 mil mortos pela covid-19, tem média de mais de 2 mil mortes diárias e sofre com a vacinação atrasada, brasileiros que moram no exterior já testemunham a vida voltando ao normal em países onde a pandemia do coronavírus está sob controle.

Cidades que tiveram lockdown rigoroso no ano passado, como Sparks, no interior dos EUA, estão com vacinação avançada e já protegem jovens de 16 anos. Em Pequim, na China, onde a peste começou, as crianças têm aulas normais, o comércio está bombando e a economia cresce – no primeiro trimestre de 2021, o PIB chinês avançou 18,3% em relação ao mesmo período do ano passado.

“Nós estamos com a maioria dos estabelecimentos abertos, as escolas estão funcionando desde agosto. E os adultos frequentam o comércio normalmente”, conta Natália Gava, de 37 anos, nutricionista de São Paulo que vive em Sparks, no Estado de Nevada, nos EUA, com a família. Natália tem duas filhas, de 5 e 10 anos, e mora no exterior há sete anos e meio.

Do outro lado do mundo, em Pequim, onde vive há três anos, Denise Melo, de 36 anos, testemunha situação semelhante. Ela conta que já recebeu a primeira dose da vacina e que a capital chinesa tem dias de normalidade depois de ter passado por fortes controles de circulação. “Aqui, eles respeitaram aqueles três meses de lockdown no início de 2020”, lembra. “E quando começou a reabertura, desempregado de loja foi trabalhar na reforma das ruas”, explica Denise.

O Estadão ouviu ainda o depoimento da advogada Ana Ganzarolli, de 42 anos, que mora em Newcastle, no Reino Unido, cidade que teve reabertura no último dia 12. O coordenador de marketing Guilherme Dorf, de 34 anos, que vive na Austrália, conta que a vida por lá também se normalizou. Em Melbourne, onde Dorf reside, a covid matou 820 pessoas, dos 910 óbitos causados pelo coronavírus ocorridos no país. A única morte de 2021 ocorreu em Queensland, de um homem que havia retornado recentemente das Filipinas. Em toda a pandemia, o Estado teve sete mortes. Para a estudante Paola Victorio, de 26 anos, de Sydney, a pandemia parece ser coisa do passado: a última morte por covid no Estado onde vive foi registrada em 27 de dezembro.

DEPOIMENTOS

Natália Gava, de 37 anos, nutricionista em Sparks (EUA)

‘Não esperava que a abertura fosse ser tão rápida’

“Nós estamos com a maioria dos estabelecimentos abertos, com 50% da capacidade, com exceção de danceterias e casas de shows. As escolas estão abertas desde agosto. Nas festas privadas, em casa, temos um limite de no máximo 25 pessoas. A recomendação também é para que as pessoas usem máscaras, a não ser que estejam vacinadas. O ideal é que as pessoas que não foram vacinadas se encontrem somente com uma outra família de cada vez e que continuem usando máscaras. Mas as viagens, por exemplo, estão liberadas, desde que se use máscara em todos os transportes. Nós já tivemos aqui uma abertura, em setembro, mas foi colocada o que eles chamaram de uma pausa em todo o Estado em novembro, porque enfrentamos a segunda onda. E aí eles diminuíram a capacidade dos estabelecimentos para 25%. Tivemos um período muito pesado aqui no final do ano. Cancelamos o Natal, passamos somente na minha casa, sem ninguém de fora. Não é fácil. Mas é por algo mais importante. Depois disso, foi reaberto no início de março. Eu não esperava essa abertura tão rápida. Acreditava que seria em junho ou julho. A vacinação atingiu a população acima dos 16 anos em 12 de março. Está tendo muita procura por vacina e é difícil conseguir marcar, mas está indo bem. Já tomei as duas doses da vacina da Moderna.”

Denise Melo, de 36 anos, editora em Pequim (China)

‘Todos têm QR code com seus dados de saúde’

“Há muitos meses não há registro de novos casos em Pequim, e um dos motivos é porque a cidade está fechada. Nenhum voo de outro país chega aqui. Não há casos importados. As ruas estão cheias, o comércio está aberto, e as pessoas ainda usam máscaras na rua. Para facilitar o controle, nós temos um código QR, que é escaneado em todos os lugares. Nele há todos os dados de saúde: se fez exames, se tomou vacina. Eu, por exemplo, tenho 36 anos e já tomei a vacina. Já foram vacinados chineses de todas as idades e estão vacinando os estrangeiros. Sobre a economia, a China cresceu muito rapidamente, é impressionante. Mas é preciso lembrar que, no começo de 2020, o país inteiro virou um deserto. As pessoas aqui respeitaram aqueles primeiros três meses. E, assim que reabriu, eles começaram a reformar tudo para aquecer a economia. O desempregado da loja que fechou foi reconstruir calçada. E teve bastante ajuda do governo. Eles davam bônus para os chineses poderem comprar comida. Houve um apoio muito grande. As pessoas que tiveram de trabalhar tiveram jornada reduzida, sim. E depois, para reaquecer a economia, ganharam bônus para viagens para outras cidades, como hospedagem gratuita, descontos de 50% na passagem de trem. Isso para reaquecer a economia das regiões pelo turismo interno.”

Guilherme Dorf, de 34 anos, coordenador de marketing em Melbourne (Austrália)

‘Se você contrai o vírus, governo dá um auxílio extra’

“Praticamente não sentimos que a doença existe. Quase todo mundo pega transporte público, vai para o trabalho, tem opções de lazer. O único momento que a gente se lembra que o vírus existe é no transporte público, onde temos de usar a máscara. Os anúncios do governo ainda estão presentes, mas a gente já consegue se reunir com amigos, há eventos grandes, conseguimos ficar em lugares fechados sem máscaras. Desde o começo do ano a situação está bem controlada, mas, por outro lado, cada vez que há qualquer tipo de aumento descontrolado no número de casos – quando falo descontrolado quero dizer dez casos -, a cidade adota o lockdown por um período curto. Hoje estamos colhendo os frutos desse rigor. A vacinação está devagar. Acho que isso ocorre até pelos números estarem controlados. O governo não está com muita pressa. Eles estão muito cautelosos para escolher as melhores vacinas. Começou agora a ter a vacinação dos grupos prioritários. O governo ajudou muito o cidadão e os negócios. Houve uma divisão entre australianos e imigrantes, que não receberam o mesmo volume de auxílio. Mas, ainda assim, consegui acessar um auxílio. O governo faz anúncios para que, se você tiver sintomas, procure postos de saúde para fazer o teste. E ele te dá um auxílio extra para você não circular e transmitir. Isso ajuda no distanciamento social.

Paola Victorio, de 26 anos, estudante em Sydney (Austrália)

‘Austrália venceu a covid-19 com consciência’

“Ficamos no processo de lockdown por três meses e ele foi levado muito a sério. Foi uma fase de muita restrição, de março até o comecinho de junho de 2020. Aí começou a abrir, com distância social. A vida normal, mesmo, voltou aqui há dois meses. Cinemas, shows e comércios estão funcionando. As escolas abriram antes. A única coisa que a gente precisa fazer aqui, que eu acho excelente, é sempre que você vai a um restaurante ou supermercado, você deve escanear um código no celular, dar o seu nome e seu e-mail. Dessa forma, eles conseguem rastrear todos os locais onde você esteve. Se houver qualquer caso, eles entram em contato com todas as pessoas que estiveram naquele local naquele dia. O controle é muito efetivo. Eu vivo num local onde, com consciência, se conseguiu vencer a doença. As pessoas têm de ter consciência, pensar na comunidade.É complicado fazer essa análise porque a Austrália é um país rico e deu um suporte para as pessoas. E, no Brasil, vejo que as pessoas não respeitam as regras do distanciamento porque elas não têm opção. Sobre a vacina, a previsão para a população inteira da Austrália é ser vacinada até setembro, incluindo imigrantes, estudantes, mesmo que não sejam cidadãos daqui. A previsão é que eu tome a vacina no final de junho.”

Ana Ganzarolli, de 42 anos, advogada em Newcastle (Reino Unido)

‘Governo envia kit de autoexame para sua casa’

“Estamos trabalhando, minhas filhas estão indo para a escola. No comércio, as pessoas voltaram a trabalhar em 12 de abril. Os restaurantes só estão funcionando nas áreas abertas. Não se pode ainda visitar as pessoas, há uma limitação de encontrar só em área externa, até quatro pessoas, mas, considerando a pandemia que a gente está enfrentando, é uma vida praticamente normal. Nós ficamos quatro meses totalmente isolados, só saía para fazer compras. Todo o comércio ficou fechado, escolas também. Agora, reabriu. Há alguns cuidados adotados desde o ano passado, como dividir os intervalos e os horários de refeição entre as salas para as crianças não terem contato umas com as outras. Queria destacar também um kit que é fornecido aqui. Pelo fato de as escolas terem sido reabertas e as crianças ficarem expostas, elas podem ser um canal de transmissão. Então, o governo incentiva as famílias a pedirem um kit de autoexame, que eles mandam pelo correio. Você não precisa estar com os sintomas para fazer. Você faz em casa. É para evitar a proliferação. A vacinação está bem avançada. Aqui no norte, como a infecção não foi tão generalizada quanto na capital, a vacinação está mais lenta. Eu tenho a informação de vacinação agora de pessoas com 45 anos.” (Ontem, a vacinação no Reino Unido já alcançava as pessoas de 40 anos e a própria Ana se preparava para ser imunizada).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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