Cláudio Manoel e Micael Langer têm no currículo documentários sobre Wilson Simonal e Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Acrescentam agora Bussunda ao portfólio. Cláudio integrou com Bussunda um movimento de humor que começou underground, com um jornalzinho irreverente de escola – a Casseta Popular -, virou revista e chegou ao mainstream na Globo, com o sucesso do humorístico Casseta & Planeta. “Um filme não daria conta da personalidade do Bussunda, nem da revolução do humor em que ele esteve metido. Por isso mesmo, a proposta desde o início foi uma série documental. Precisávamos de tempo para contar nossa história.”
Quem fala é o Cláudio, e ele acrescenta: “Fazer essa série foi uma forma de estar perto dele, de novo. E também de revisitar a falta que o Bussunda faz.”
Cláudio Besserman Vianna, o Bussunda, morreu em 2006, durante a Copa do Mundo na Alemanha, que o Casseta & Planeta foi cobrir para a TV Globo. Foi uma das marcas do grupo formado por Hubert, Cláudio Manoel, Hélio de la Peña, Marcelo Madureira, Beto Silva, Reinaldo e Bussunda.
Coberturas jornalísticas na base do humor. Humorismo-verdade, jornalismo-mentira. “Havia pessoas que não encontrava desde aquela época, 15 anos!”, lembra Cláudio Manoel. “Fazer a série foi uma coisa muito intensa e visceral. Foi como passar a nossa vida a limpo, e neste sentido também foi revigorante. Lidar com a dor da perda foi uma coisa esmagadora, mas necessária”, avalia.
A série de quatro episódios está disponível no Globoplay. Três episódios retraçam a história de Bussunda, por meio de depoimentos de parentes e amigos, e também de riquíssimo material iconográfico.
Cláudio e Micael relutam em admitir o que parece óbvio para o repórter. Como Simonal e Chacrinha, Bussunda teve uma vida movimentada que reflete a própria história do País, sufocado pela ditadura militar e que se abria para a redemocratização. Criado numa família comunista e progressista, ele usou o humor como ferramenta.
Contestação, sim, mas principalmente irreverência – hoje em dia desagradaria todo mundo – esquerda, direita, feministas, bolsominions.
No primeiro episódio, o próprio Bussunda lembra: “Meus pais eram do velho Partidão (Comunista), todo sábado tinha reuniões lá em casa com intelectuais que ficavam até de madrugada discutindo os rumos do País. Era uma coisa misteriosa, porque havia a ditadura militar e reuniões como aquelas eram proibidas.”
Da infância e do ambiente familiar, vieram o gosto pela contestação. Vários humoristas dão depoimentos e reafirmam que a função deles não é agradar a quem quer que seja. Quanto mais mal-estar o humor produz, melhor.
A grande sacada de Meu Amigo Bussunda, a série, é abrir espaço para que a filha do humorista, Júlia Besserman Vianna, assine o quarto e último episódio: Bussunda, Meu Pai.
Júlia, de 26 anos, tinha 12 quando ele morreu. É formada em cinema, com mestrado em roteiro. Há dois anos dá aulas de storytelling para turmas de primeiro e segundo graus num colégio do Rio. “Meu pai foi sempre muito presente em minha vida, mesmo após sua morte. Não posso dizer que fazer a série foi um reencontro, mas foi um aprofundamento necessário e catártico para o meu luto. Não sei se descobri algo novo, mas revisitei memórias e nossa relação com um novo olhar. Eu era muito nova quando ele morreu e tem coisas que só consegui entender e processar fazendo a série.”
Para o público atual, Casseta & Planeta soa hoje como algo natural, mas durante a ditadura, com uma rígida censura que boicotava boa parte da produção cultural em nome da família e dos bons costumes, ‘casseta’ era aquilo mesmo que você está pensando, palavrão. Marluce Dias da Silva, que sucedeu José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na direção-geral da Globo, reflete como um estilo de humor que poderia ser de nicho, feito entre amigos de um bairro do Rio – Ipanema -, ganhou o Brasil inteiro.
Grosseiros, vulgares, mas engraçados, eles colocavam o Brasil no espelho. Uma letra de música expressa bem o que isso significa. Mãe É Mãe, e o refrão – ‘Todo homem é escroto, toda mulher é vaca’.
Júlia diz: “Acho que o tempo traz novos contextos para aquela letra. A questão da época era a generalização do comportamento. Hoje, na minha opinião, é a história que a música conta, não apenas o refrão.
Fábio Porchat diz que é injusto tirar a piada de sua época e do seu contexto. E a propósito, minha mãe, sempre feminista, foi a musa inspiradora da canção e se casou com ele”.
Júlia admite que foi muito doído reviver as circunstâncias da morte do pai. “Foi punk relembrar o dia, mas o pior foi rever várias e várias vezes os vídeos do velório. Foi como reviver o pesadelo.”
A mãe, Angélica Nascimento, lembra que o casal discutia muito literatura. Certa vez, liam Nietzsche e a menina quis saber o que era eterno retorno. Nunca mais esqueceu. “Minha crença que ele escolheria novamente a mesma vida me acalentou durante o processo.”
A série não se arrisca a ficar piegas, terminando com o olhar da filha? “Tenho muito orgulho do meu pai. Nossa família nunca foi chegada ao melodrama. Era quase tudo na base do humor. Praticamente uma alergia à pieguice.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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