Maurizio é interpretado por Adam Driver, que compõe um tipo meio desligado e à parte do mundo dos grandes negócios da grife, capitaneada por seu pai, Rodolfo Gucci (Jeremy Irons), em parceria com seu irmão e sócio, Aldo Gucci (Al Pacino).
Maurizio, tímido e desajeitado, é amorosamente fisgado pela desinibida Patrizia Reggiani (Lady Gaga). O pai, cioso da fortuna e do sobrenome aristocrático, o deserda, e Maurizio vai trabalhar com o pai da moça, dono de uma empresa de transportes. Chega a dizer que nunca fora tão feliz como nessa situação, digamos assim, mais proletária. Mas Patrizia tem outros planos, bastante mais altos e arriscados para si mesma e para o marido.
Eis aí um enredo que poderia ter sido escrito para uma obra de suspense movida a rivalidades, reviravoltas, traições de todo tipo, estratégias nebulosas e golpes abaixo da linha da cintura, chegando a um assassinato. Nessa trama, parece curioso como alguns dos protagonistas do mundo da alta moda podem se comportar como vilões de quinta categoria. Também é interessante saber que tudo se passou na vida real, como atesta o livro Casa Gucci, de Sara Gay Forden (Edição Seoman, 512 páginas), cujo subtítulo resume bem a coisa: “Uma história de glamour, ganância, loucura e morte”.
É isso mesmo que temos no centro dessa história de ascensão e decadência de uma grande marca. A questão da moda, em si, permanece bastante lateral, em proveito daquele que é o verdadeiro foco de Ridley Scott – o drama causado pela cobiça e também pelo desejo de reconhecimento, essa fraqueza humana por definição.
A força destrutiva da ambição passa por Patrizia, em primeiro lugar. Mas, no decorrer da trama, não será ela a única responsável pela catástrofe. Verdade que, num primeiro momento, ela se comporta como verdadeira Lady MacBeth, instigando o marido a trair e a romper com o outro lado da família, Aldo (Pacino) e seu filho Paolo (Jared Leto). Depois Patrizia, ela própria, se verá vítima da sede de poder do antes desprendido Maurizio. Como se este tivesse se deixado seduzir pelo gosto de sangue ao nadar num mar de tubarões.
A essa história de paixão, cobiça e morte, o veterano diretor inglês Ridley Scott, nascido em 1939, empresta um tom às vezes grandiloquente. Não por acaso, usa trechos de óperas famosas, como La Traviata e Barbeiro de Sevilha, em algumas sequências-chave do enredo. Por outro lado, introduz aqui e ali determinados alívios cômicos, em especial através da figura de Paolo Gucci, vividamente interpretado por um Jared Leto cheio de trejeitos e exageros. Paolo será um dos gatilhos do desenlace pois, estilista medíocre, tentará, de qualquer forma, impor seu design à Casa que leva em seu sobrenome e de que é um dos acionistas, minoritário porém.
Com a experiência de quem tem no currículo filmes como Alien – o Oitavo Passageiro (1979), Blade Runner – o Caçador de Androides (1981) e Thelma & Louise (1991), Ridley Scott encontra o tom certo para encenar essa história de paixão e crime. Verdade que o espectador muito preso ao cinema realista terá certa dificuldade diante de uma tragédia de família toscana falada em inglês – com sotaque italiano, claro. Mas, passado o incômodo inicial, dá para se acostumar e entrar no clima.
Lady Gaga, cujo nome aparece em primeiro lugar nos créditos, faz sua Patrizia Reggiani de forma correta. Adam Driver, como sempre, está à vontade em seus tipos desengonçados. Neste caso, apresenta uma curva dramática interessante, ainda que um tanto brusca, indo da desambição completa ao extremo oposto. Al Pacino, como Aldo Gucci, mostra a classe de sempre, embora sintamos, sob o personagem, a embocadura de Don Michael Corleone, de O Poderoso Chefão. O filme tem ainda um elenco secundário de luxo, com a mexicana Salma Hayek como uma adivinha e a francesa Camille Cottin (da série Dix Pour Cent) como a rival de Patrizia no coração de Maurizio.
Carregados pela tragédia do poder, que vitimou Maurizio, os Gucci passaram. Em outras mãos, a Casa Gucci permanece.
Comentários estão fechados.