Caso da Escola Base expõe poder da mídia

Flori Antonio Tasca

Na década de 1990, um escândalo tomou conta do noticiário brasileiro: a acusação de que o crime de abuso sexual estava sendo praticado contra alunos da Escola Base, em São Paulo. A partir de declarações do delegado que estava à frente do caso, os jornais passaram a veicular uma série de matérias de cunho sensacionalista, o que acabou por conclamar leitores e telespectadores à revolta. Em consequência, a escola foi saqueada e depredada. Os responsáveis por ela foram presos preventivamente e depois libertados. Além de a instituição ter falido, os seus sócios passaram a receber ameaças de morte. E só depois de tudo isso o inquérito policial foi arquivado por absoluta falta de provas contra os acusados.

Ao analisar posteriormente o caso, concluiu-se que houve uma desenfreada credulidade nas “denúncias” feitas pelas mães e nos depoimentos de crianças de 4 anos. O inquérito do caso ainda estava em sua fase inicial, pois as lesões encontradas nas crianças podiam tanto ser atribuídas à violência sexual como a problemas intestinais, mas os veículos de mídia tomaram tudo como verdade e promoveram a execração pública dos envolvidos. A simples retratação não corrigiu os danos morais infligidos a eles. Afinal, os donos da Escola Base jamais poderiam exercer novamente atividade semelhante.

“Muitas vezes, a condenação imposta pela mídia suplanta a condenação judicial”, observou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, da 3ª Turma do STJ, relator do Recurso Especial 1.215.294-SP, uma das tantas ações referentes a reparações contra veículos de comunicação que se seguiram ao episódio e que se estendem até os dias de hoje. O recurso foi apresentado por uma emissora de TV que alegava não ter veiculado qualquer matéria relacionada ao caso. Não havia cópias dos programas, mas com os depoimentos de testemunhas chegou-se à conclusão de que houve abuso e leviandade nas matérias jornalísticas, atribuindo responsabilidades de forma prematura e subjetiva.

A emissora havia sido condenada a pagar R$ 300 mil a cada um dos três representantes da escola. No recurso especial, alegou-se ausência da “causa de pedir” da demanda inicial, preliminar que foi afastada pelo ministro. Restou o pedido de redução do valor indenizatório. O STJ só pode alterar tais valores quando eles se mostrarem irrisórios ou exorbitantes. O ministrou entendeu que era este o caso. Sua decisão foi pela redução do valor para o montante de R$ 100 mil a cada um dos autores.

A ministra Nancy Andrighi pediu vistas do processo. Ao avaliar o caso, ela observou que os danos psicológicos sofridos pelos donos da escola eram notórios, pois foram injustamente acusados de pedofilia e abuso sexual dos alunos. Entretanto, era necessário distinguir o responsável pelas informações inverídicas daqueles que apenas contribuíram para a sua disseminação. A notícia em questão teve origem em inquérito policial instaurado e no teor das entrevistas concedidas pelo delegado encarregado das investigações. Como foi baseada em fonte oficial, ela entendeu que não se podia alegar publicação de notícia mentirosa, mas em abuso do direito de informar, uma vez que foi transformada em espetáculo midiático por meio de manchetes sensacionalistas que extrapolaram os fatos e fizeram com que o caso tomasse proporções desastrosas.

Nesse contexto, pareceu à ministra que não era razoável impor à emissora de televisão o pagamento de compensação superior ao próprio causador do dano, na figura do Estado. De fato, por conta do comportamento leviano e precipitado do delegado, o Estado havia sido condenado a pagar reparação por danos morais no valor de R$ 250 mil a cada um dos autores. Assim sendo, também a ministra foi da opinião que o valor da condenação a ser pago pela emissora devia ser de R$ 100 mil a cada um. Essa foi a decisão do STJ, proferida em sessão de julgamento realizada no dia 17.12.2013.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br

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