FLORI ANTONIO TASCA*
Um caso grave de bullying, que por pouco não resultou no suicídio da vítima, foi julgado no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. Trata-se de uma menina tímida que tinha um problema na coluna que a fazia repuxar a perna ao andar. Os seus colegas a chamavam de “torta”, “perna torna”, “varejeira”, “aleijada”, e ainda diziam coisas como “volta pra Apae”. Com o tempo as agressões verbais passaram a ser também físicas. A aluna procurou ajuda, o que nem sempre ocorre em casos como esse. Mas aconteceu o que ela mais temia: não lhe deram crédito e ela ficou ainda mais exposta.
Sob o número 1356-63.2012.8.26.0146, a Apelação Cível correspondente ao caso foi apreciada pela 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo e relatada pelo desembargador Paulo Barcellos Gatti, sendo julgada no dia 01.08.2016. Apesar da gravidade sugerida pelo conjunto de provas, o caso teve desfecho contrário à aluna no seu julgamento de primeira instância. O magistrado entendeu que não se podia atribuir à escola “atividade policialesca” no controle do comportamento dos alunos, não sendo possível a ela controlar de modo completo os casos de bullying. Para ele, a escola havia feito o que podia fazer.
Ao recorrer, a defesa da aluna sustentou que a impossibilidade de controle completo não significa omissão, sendo que a escola havia permitido por vários anos que a aluna fosse vítima de humilhações e xingamentos. As agressões teriam, realmente, se estendido por longo tempo e a aluna, antes mesmo de procurar a família, buscava o apoio da direção da escola. Mas ela dizia que, de tanto aparecer na direção, ela própria foi tachada como encrenqueira, sem que a escola tivesse tomado providências efetivas contra o problema.
Ao processo, foi anexada uma avaliação psicológica da aluna, a qual é reveladora da triste condição em que ela se encontrava. Extremamente fragilizada e com sintomas de depressão, ela dizia que queria desistir de tudo e que estava exausta de viver todo dia as mesmas coisas. Declarou à psicóloga que só ia à escola porque a mãe obrigava e, tendo afirmado que até então sempre se comportava bem, confessou que estava no seu limite, perdendo o controle e gritando com as pessoas. Não tendo mais um minuto de paz, ela declarou que já havia atentado contra a própria vida mais de uma vez e que queria fugir para a casa de uma tia, em outra cidade, onde esperava ser melhor acolhida.
Diante desse quadro, a psicóloga constatou sentimentos negativos, baixa autoestima, sérios problemas de relacionamento, início de comportamento agressivo, desinteresse pela escola, início de déficit de concentração e aprendizagem, além de desejo de evasão escolar. Com muito medo, angústia e raiva reprimida, o seu caso foi tido como extremo. Foram identificadas ainda situações domésticas desfavoráveis ao quadro todo.
A diretora da escola passou uma visão diferente, insinuando que os problemas tinham a sua explicação na dificuldade de relacionamento e na carência afetiva da estudante. Ela afirmou que nunca havia reparado em apelidos colocados na menina e que sequer havia percebido que ela puxava uma das pernas. Embora reconhecesse certos episódios, dava a entender que a escola havia agido com diligência necessária. Já a vice-diretora disse que a aluna não tinha apelido e que era ela quem mexia com alguns alunos, que então revidavam. Embora resumisse o caso dela a “problemas de relacionamento”, ela falou em bullying em depoimento anterior, à polícia, por ocasião de uma agressão física.
O relator ponderou ser inegável que a aluna tivesse comportamento difícil e que pudesse ser antissocial, mas viu isso como uma resposta contra as inúmeras agressões por ela suportadas ao largo do tempo. O fato de ser insegura e viver em núcleo familiar com diversos problemas não significava que fosse ela a responsável pelas próprias agressões que sofreu. Os funcionários da escola parecem não ter atentado para o real problema da aluna. As providências que tomaram não foram adequadas e nem poderiam ser, pois, como visto, atribuía-se à própria vítima a responsabilidade pelo bullying.
Sendo a escola pública, cabia ao Estado dispensar proteção a todos os estudantes que se achavam sob a sua guarda. Descumprida essa obrigação, e atingida a integridade moral do aluno, configurava-se a responsabilidade civil do Poder Público. O relator observou que, embora seja realmente impossível controlar totalmente o bullying, é dever do Estado atuar de forma efetiva para minimizar esse mal e impedir a sua continuidade.
Assim sendo, havia o dever compensatório, contrariamente ao entendimento que o caso havia tido na instância anterior. O relator fixou então em R$ 5 mil o valor de reparação por danos morais a ser pago pelo Poder Público estadual à aluna agredida. Os demais membros do colegiado adotaram o mesmo entendimento
*FLORI ANTONIO TASCA
Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa.
Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.
fa.tasca@tascaadvogados.adv.br
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