Fernando Ringel
O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), em março de 2020, o preço do leite pago ao produtor era R$ 1,4376 por litro. Em março de 2021 foi R$ 1,9384, em 2022 custava R$ 2,2104 e no mês passado, R$ 2,6801. No total, houve alta de 53%, que se alastrou por toda a cadeia de produção leiteira.
Eis a história: as dificuldades normalmente enfrentadas pelo “Homem do Campo”, como seca ou excesso de chuva, foram agravadas pela inflação, que deixa tudo mais caro sem aumentar o lucro, e pela guerra na Ucrânia. Enquanto isso, as vacas precisam de alimentação todo dia, mas se fertilizantes, minerais e sementes estão mais caros, o plantio também encarece, elevando o custo da ração. Além disso, é necessário combustível para a colheita e para distribuir o leite embalado. Por fim, a lógica do mercado fecha o pacote indigesto: a seca prejudicou a produtividade e, portanto, há menos leite disponível. Quando um produto se torna mais raro, obviamente ele passa a ser mais valorizado, o que na prática fez o preço nos supermercados atingir entre R$ 5 e R$ 10 por litro. Quem diria, o leite está mais caro que a gasolina!
O lucro na escassez
Entre um e outro gole de leite… de soja, os veganos dão risada. Para quem não fica sem leite de vaca, resta encarnar a “mão invisível do mercado”: para forçar a queda nos preços, é só parar de comprar. Porém, se os custos se mantêm e o lucro despenca, o produto vai sumir das prateleiras. E ninguém quer isso. No caso do leite, além da seca, inflação e da guerra, que prejudicou a produção de agrotóxicos e cereais, produtores brasileiros abateram animais para cortar custos. Isso diminuiu ainda mais a produção de leite, e como bezerro não vira vaca do dia para a noite, a escassez não será solucionada rapidamente.
O governo até poderia facilitar a importação de animais, mas em Economia, “mexer aqui, desarruma ali”. Por exemplo, a queda no combustível vai puxar os preços de todo o mercado para baixo. Isso é bom, mas iniciativas como o Auxílio Brasil incentivam o consumo, tendendo a piorar a escassez do leite. Aí a vaca pode atolar de vez!
O fato é que, se todos os problemas fossem resolvidos hoje, ainda assim a situação dos insumos levaria tempo para ser normalizada, porque qualquer produto precisa hoje de dinheiro ganho ontem. É seguir em frente porque, no preço que o leite está, melhor chorar sem derramar mesmo.
Comunicador e professor universitário