Na visão dos profissionais, o grande responsável pela mudança é o crescimento das redes sociais, que exigem maior interatividade. O exemplo mais recente desse novo jeito de narrar o esporte na TV foi a transmissão dos Jogos Olímpicos de Tóquio. A variedade das modalidades mostrou como os narradores precisam de mais jogo de cintura.
Existem vários exemplos. O primeiro foi o sofrimento e a empolgação do narrador Galvão Bueno durante a conquista da medalha de prata na prova individual geral da ginasta Rebeca Andrade. Os bastidores da transmissão foram exibidos pela própria Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão dos jogos para o Brasil.
Aos 71 anos, o narrador reconhece que sua maneira de transmitir vem mudando. “A vida é feita disso, de se reinventar sempre. O leque expandiu. O mundo se reinventou e é muito bom acompanhar isso. Com toda a minha experiência, é muito bom viver esse momento mais leve, mais solto, mais feliz”, afirmou Galvão ao Estadão.
Luis Roberto de Múcio Paranhos, o popular Luis Roberto, que também estrelou as transmissões olímpicas da Rede Globo, revela que tem tentado “ser mais leve”. “A narrativa passou a aceitar um vocabulário mais aberto às conversas do cotidiano e, principalmente, próximo às novas gerações. Precisamos encontrar um formato que agregue as novas gerações, sem desagradar os mais velhos. Levando em conta também os costumes dessas pessoas. Enfim precisamos estar em sintonia com o nosso tempo. Sempre se reinventando”, diz o narrador de 60 anos.
As transmissões olímpicas deram visibilidade a um movimento que se intensificou nos últimos três anos, principalmente nos canais de TV por assinatura. Sergio Mauricio, narrador da Band que acompanha as provas de velocidade, especialmente a Fórmula 1, é quem traça um panorama da narração esportiva no País nas últimas décadas.
“Nos anos 1970 e 1980, as locuções eram mais pausadas, com dicção e entonação maiores. As intervenções do narrador eram mais pontuais. A chegada de Galvão Bueno e Luciano do Valle trazem um estilo mais veloz e mais ativo. A vinda da TV a cabo aumentou ainda mais essas características”, explica o narrador que chegou à Band no início do ano após longa passagem pelos canais SporTV.
INFLUÊNCIAS DAS REDES – Todos os locutores ouvidos pelo Estadão são unânimes ao afirmar que as redes sociais são o principal impulso às mudanças na narração. Com interação instantânea, elas se tornaram um espécie de termômetro do que passa na telinha. Canais de tevê costumam usar os comentários dos internautas para enriquecer as transmissões. Para Teo José, voz dos jogos da Copa Libertadores e Liga dos Campeões no SBT, o celular se tornou uma segunda tela, que é acompanhada paralelamente às transmissão na tevê ou na internet.
“Mudou a audiência, mudou o consumidor. Temos de entregar algo a mais”, avalia André Henning, um dos responsáveis pela transmissão dos jogos da Liga dos Campeões no canal por assinatura TNT Sports. “O narrador deixou de ser alguém que está contando o que está vendo e passou a contar também o que está vivendo e sentindo. Para mim, mudou muito pouco. Narração sempre foi assim”, opina.
Nesse contexto, as pessoas querem uma companhia na hora da transmissão, na opinião de Luis Roberto. “As pessoas querem dividir com quem está narrando e comentando. Querem se sentir incluídas e fazer parte daquele evento”, diz o narrador de 60 anos. “Há alguns anos, a locução era apenas um guia para os telespectadores. Hoje está claro que precisamos ser mais que um ‘guia’, temos que entregar emoção, empatia e leveza”, completa.
A FORÇA DOS BORDÕES – Uma das principais características da narração esportiva é o uso de bordões, aquelas frases repetidas em situações específicas e que fortalecem a identificação dos narradores. “Sempre tive um estilo de utilizar bordões que eu tiro da rua, de novelas, de música. Isso me acompanha desde o início. Eu sempre me pergunto se eu gostaria de ouvir algumas coisas. Procuro ser agradável e usar frases recentes. Também sou internauta”, afirma.
Everaldo Marques levou um dos seus bordões mais marcantes – “você é ridículo!” – do canal de TV por assinatura ESPN para os canais Globo. A primeira vez que ele usou o bordão na nova emissora foi na vitória 91 do piloto Lewis Hamilton, quando ele igualou o recorde de Michael Schumacher na Fórmula 1.
“Depois da bandeirada, eu fui construindo uma série de elogios que culminaram no ‘Você é ridículo’. Quem já conhecia, entendeu perfeitamente. Quem não conhecia e prestou atenção em tudo o que eu falei antes do bordão, percebeu que era uma conotação positiva. Ruído zero, inclusive nas redes sociais”, explica.
Os bordões podem variar de acordo com o momento da partida, conceitua Everaldo. Na final do torneio olímpico de basquete masculino, entre França e Estados Unidos, ele disse outra de suas marcas registradas – “enquanto tem bambu, tem flecha” – em francês. “Quanto mais natural for a comunicação, mais verdadeira. E o público se identifica com isso”, diz.
A renovação do estilo narrativo também pode ser literal, a partir da contratação de novos nomes. Aprovado em um concurso de Talentos da Narração, Sergio Arenillas se tornou, aos 24 anos, um dos mais jovens da história da TV brasileira a transmitir uma competição na TV aberta. Ele também narrou a primeira disputa dos Jogos de Tóquio: o jogo de softbol entre Austrália e Japão.
“Sei que narração é maratona e não 100 metros. Poder ocupar desde já alguns desses espaços é um orgulho e uma conquista. Ainda mais no meu caso, que sou muito mais novo”, diz Arenillas.
PRESENÇA FEMININA – A renovação da narração esportiva está relacionada também ao avanço das mulheres em uma área historicamente ocupada por homens. Neste ano, Renata Silveira se tornou a primeira narradora de futebol do Grupo Globo ao transmitir a vitória do Botafogo sobre o Moto Club pela Copa do Brasil.
“O espaço está sendo conquistado aos poucos, porque a narração nunca foi uma realidade para as mulheres. No meu caso, a oportunidade surgiu em um concurso da Rádio Globo. Depois, veio a chance nos canais Fox Sports. Mas nunca tive o sonho de exercer essa profissão, porque não existiam referências de mulheres na narração esportiva”, conta Renata Silveira, que se tornou a primeira a narrar um jogo da seleção brasileira nos Jogos de Tóquio.
Depois de se tornar a pioneira na narração de uma partida de Copa do Mundo na televisão brasileira – Rússia e Arábia Saudita na Fox Sports na Copa de 2018 -, a narradora e radialista Isabelly Morais integra uma equipe feminina da narração esportiva na Band, algo inédito na TV aberta. A mineira atua ao lado das comentaristas Milene Domingues e Alline Calandrini.
Isabelly não vê diferenças entre narradores e narradoras. “A gente tem uma cultura de narração esportiva que paira sobre nós. É aquela ação descritiva que vai subindo o tom de acordo com os lances e o grito de gol estendido, por exemplo. Nossa narração tem esses elementos que são apropriados pelos profissionais. Não é o homem ou mulher. Varia pelo profissional. A identidade de narração é construída por cada um”, opina.
Natália Lara, narradora que passou pela TV Cultura e hoje também atua no Grupo Globo, destaca as transformações que permitem o avanço das mulheres. “Ter mulheres desempenhando funções que sempre foram realizadas por homens é algo que demanda tempo, insistência e persistência. Tivemos mulheres que abriram espaços anteriormente e foram essenciais. Estamos na reportagem, na apresentação, nos comentários e na narração. Estamos quebrando barreiras”, afirma.
“Historicamente houve uma tentativa de dissociar o esporte da mulher. Ao longo dos anos, foi criado um descrédito da palavra da mulher neste tema. Isso atrapalha em todas as funções. Imagine na hora de conduzir uma narração, mas estamos avançando”, completa Isabelly.
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