A solução foi relativamente simples: Kubitschek passou a distribuir para militares apartamentos em espaços como a Asa Norte que, ao longo dos anos, se foram popularizando e ganhando adeptos. E foi graças a um desses adeptos que, aos 13 anos, Fernando Duarte se mudou para a capital federal e, lá, se apaixonou pelo bel canto da soprano Maria Callas.
Sobrinho de militar, Duarte deixou a pequena cidade de Piaçu, no interior do Espírito Santo, para viver com os tios em Brasília e assim aliviar o peso econômico em sua família. “Família muito pobre, com muitos filhos, sempre tem um para sair de casa. Meus pais me levaram para morar com minha tia já viúva e assim tudo começou”, explica o dramaturgo que, na época, se tornou fã de Callas ao ouvir da janela de uma vizinha sucessivas gravações da cantora.
“Eu ficava ouvindo aquela voz sem entender uma só palavra, mas já tinha o drama na minha pele. Eu tinha 13 anos e ficava muito emocionado, e um dia essa vizinha me deu a biografia da Callas e fiquei fascinado.” Esse fascínio o conectou a outra diva, Marília Pêra, de quem foi contrarregra nos anos 2000 e para quem escreveu Callas, sua primeira obra teatral que, secretamente, queria que a artista estrelasse.
Marilia Pêra, que já havia dado vida à cantora em outro espetáculo, Master Class, de 1996, não estrelou a obra, mas a dirigiu, e assim teve início a relação de Duarte não apenas com a dramaturgia, mas com a vida e a obra desta que é reconhecida como a principal voz do século 20 e que lhe serviu de base para que escrevesse Parabéns, Senhor Presidente – In Concert, espetáculo que chega ao palco do Teatro dos Grandes Atores, no Rio, neste sábado, 25.
A obra é uma nova adaptação para Parabéns, Senhor Presidente, encenado em 2019, que, por sua vez, já é uma adaptação de Orgulhosa Demais, Frágil Demais, espetáculo montado em 2014 sob a direção de Sandra Pêra. “É um exercício, eu vou me aprofundando a cada nova versão, descobrindo como desnudar essas duas mulheres”, conta também.
Parabéns, Senhor Presidente narra o encontro fictício entre Maria Callas e a atriz Marilyn Monroe nos bastidores da celebração do 45º aniversário do presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, no Madison Square Garden, em Nova York. Na ocasião, a dupla se estranhou nos bastidores, quando Callas se recusou a cumprimentar Monroe.
“Depois, assistindo à apresentação da Marilyn cantando Parabéns a Você e vendo-a ser retirada à força pelo serviço secreto para que não se encontrasse com Kennedy, Callas se sentiu mal, sentiu pena dela, e mandou flores no dia seguinte. A peça imagina o que teria acontecido se ela mesma tivesse ido entregar essas flores.”
Com sucessivas temporadas, a obra foi estrelada por nomes como Samara Felippo, Danielle Winits, Christine Fernandes e Rita Elmor, que coassina a nova versão do texto, sob a direção de Fernando Philbert. Agora, na pele de Callas, Cláudia Ohana volta a viver a cantora que já havia interpretado naquela primeira peça escrita em 2013.
“A Callas me fascina muito por vários motivos. Ela é uma personagem muito boa. Quando eu a vivi, eu senti uma segurança tão forte, porque geralmente, em cena, o ator tem essa necessidade da risada, de sentir que o público está na mão dele, e com a Callas isso não acontece, as pessoas ficam fascinadas”, conta Ohana.
Já na pele de Monroe, Juliana Knust entra em cena em celebração dupla ao completar 40 anos de vida e 25 de carreira. “Eu estava apavorada de viver uma personagem que não só existiu, como é um ícone, um mito! Mas eu me pus esse desafio de me divertir sem pretensão de provar nada para ninguém, sem pretensão de prêmios, sem o peso da Marilyn. Topei porque seria um bom momento para comemorar e também para divertir as pessoas depois dessa loucura toda que nós estamos vivendo.”
A nova adaptação, In Concert, conta com canções compostas por Maíra Freitas e interpretadas pelas atrizes, o que não as amedronta, uma vez que, na concepção de ambas, o que realmente importa na obra é mostrar duas mulheres por trás dos mitos. “Elas são mulheres que sofreram com o machismo, sofreram com as dificuldades de serem bem-sucedidas, sofreram com tudo isso, então é muito fácil se identificar”, garante Knust. “Eu mesma me identifico com as duas porque são mulheres de seu tempo, num camarim, se despindo dessa coisa de diva”, complementa Ohana.
A produção fica em cartaz até o dia 4 de dezembro, sempre aos sábados em sessão dupla, às 19h e às 21h com a capacidade do teatro reduzida a 40%, o que deixa as artistas animadas, mas ainda preocupadas com o mercado da cultura das artes. “Ninguém sobrevive com 40% de bilheteria, não sem um patrocínio. Então acho muito importante a gente voltar, mas ainda não sabemos o que vai ser, como vai ser essa loucura toda, e essa peça merece ter uma carreira muito longa”, acredita Juliana Knust.
“A arte nunca vai morrer. Eles tentam, mas a gente vai sobrevivendo e resistindo, e é assim desde os tempos das cavernas, não vai ser diferente agora”, finaliza Ohana.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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