Com live, Kleiton & Kledir celebram 40 anos de carreira

Os entendedores da música popular brasileira vão dizer, com razão, que os 40 anos de carreira da dupla Kleiton & Kledir deveriam ter sido comemorados em 2020. Afinal, foi em 1980 que os irmãos nascidos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, egressos da banda Os Almôndegas, se lançaram – com sucesso – em duo. Entretanto, a pandemia, para além de todos os transtornos de saúde, sociais e econômicos, também foi cruel com a cultura. Fez alguns calendários pararem no tempo e concederem certa licença poética para datas comemorativas.

Por isso, com quase 41 anos de estrada, os irmãos Ramil vão celebrar a parceria em uma live nesta quinta-feira, 3, no palco do Teatro Claro, no Rio de Janeiro. É lá que eles vivem desde que as músicas Maria Fumaça, Vira Virou e Fonte de Saudade, todas desse primeiro álbum dominaram as paradas de sucesso.

O único porém será a ausência do público. Ainda não é tempo de aglomerações. E os irmãos, apesar de já vacinados, não querem dar mau exemplo. “Vamos chegar pela nuvem. Fiquem em casa que a gente vai até você”, brinca Kledir, em entrevista ao Estadão.

“Vai ser como gravar um videoclipe. Sentiremos falta do público, será estranho, pois é o aplauso que nos alimenta, que nos dá a temperatura do show”, completa. No palco, eles estarão acompanhados pela banda formada por Dudu Trentim (teclados e arranjos), Adal Fonseca (bateria) e André Gomes (baixo).

A apresentação será em tom retrospectivo. Além dos sucessos do primeiro álbum e de outros hits, como Paixão, Tô que Tô, Viva e Nem Pensar, os irmãos vão cantar músicas que não tiveram destaque quando foram lançadas, mas que têm grande importância para eles. Caso de Roda de Chimarrão, de 1984, que mostra que a dupla nunca se afastou de suas raízes.

A novidade no repertório ficará por conta de Paz e Amor, parceria deles, lançada em outubro do ano passado com a participação do grupo MPB4. A letra fala em sonhos, do ideal hippie e da contramão que o Brasil e o mundo pegaram nos últimos tempos.

“É uma canção de esperança em meio a um tempo de escuridão. O Brasil está desgovernado. A civilização pegou um caminho errado, de lucro a qualquer custo. As pessoas querem mudar o mundo, mas não querem abrir mão de privilégios, mudar seus hábitos”, diz Kledir, que escreveu a letra.

A gravação foi feita a distância. O arranjo de vozes foi escrito por Kleiton. “Nunca vamos chegar perto dos arranjos do Magro (membro da formação original do grupo, morto em 2012). Ele era um mago. Eu gravei minha voz no meu estúdio caseiro. Eles gravaram separados, cada um em seu celular. Imagina, que loucura! Eu que faço vocal sei o quanto é prazeroso um grupo estar junto, escutando as vozes soarem em conjunto. É como se fosse um naipe de orquestra, nunca soa sozinho”, conta o músico.

A escolha da dupla em chamar o MPB4 – atualmente, formado por Aquiles, Dalmo, Pauleira e Miltinho – em um momento especial como esse não foi por acaso. O grupo, de certa forma, está com Kleiton & Kledir desde 1979, quando gravou, no disco Bons Tempos, Hein?, a canção Circo de Marionetes, do repertório da banda Os Almôndegas, escrita pelos irmãos.

Em 1980, Vira Virou se tornou o nome do disco do grupo e a letra da canção apareceu estampada na capa do álbum, ao lado das fotos dos quatro integrantes. “Tínhamos um empresário em comum que nos levou para mostrar nosso repertório para o MPB4. Lembro que fomos até o teatro em que eles estavam ensaiando. Eu estava envergonhado, eram ídolos para mim. Eles escolheram Vira Virou (só do Kleiton) e Viração (de Kledir com Fogaça). A partir daí, estabelecemos uma relação de amizade”, conta Kleiton.

Mais Histórias

A assessoria de imprensa de Kleiton e Kledir marcou as entrevistas com meia hora de diferença. O primeiro papo, com Kleiton, avançou por quase uma hora, atrasando a segunda conversa. A reportagem do Estadão se desculpou com Kledir. “O Kleiton fala muito mesmo”, reagiu o músico, com bom humor.

O diálogo com Kleiton se alongou porque percorreu algumas das muitas histórias dos 40 anos de estrada. Elas estarão em uma biografia escrita pelo jornalista gaúcho Emílio Pacheco e, embora ainda sem data definida de lançamento, entra nesse pacote de comemorações.

Para entender o som da dupla, é preciso voltar pelo menos seis anos antes de sua estreia, quando os irmãos Ramil, ao lado dos parceiros Pery Souza, Gilnei Silveira e Kiko Castro, formaram a banda Os Almôndegas, participando de festivais universitários até lançarem o primeiro álbum, em 1975.

Mais que um disco, surgia ali um movimento que, ao lado de outras bandas da época, pegou a música tradicional gaúcha e misturou com a chamada MPB e o rock. Nascia, então, algo que não tem uma definição ou um nome específico, como a bossa nova ou a tropicália, e que veio antes do rock brasileiro da metade dos anos 1980. Talvez possa ser chamada de “música dos guris”, para usar um termo rio-grandense.

O indicativo de que esse som sairia da divisa do Rio Grande do Sul foi a inclusão de Canção da Meia-Noite (Zé Flávio) na trilha sonora da novela Saramandaia, da TV Globo, com a qual Dias Gomes levou o realismo fantástico para a televisão.

Em 1982, logo depois do sucesso do primeiro disco da dupla e a gravação de Vira Virou pelo MPB4, Simone lançou em seu álbum Corpo e Alma a canção Tô que Tô, assinada pela dupla. E aqui há uma passagem curiosa. Kleiton e Kledir fizeram esta música para o cantor Ney Matogrosso.

A princípio, Ney gostou da canção, porém, já em estúdio, ele não teria se sentido confortável cantando a música e desistiu de lançá-la. Tô que Tô, então, foi parar nas mãos da cantora baiana. Na época, Ney e Simone tinham o mesmo produtor, Marco Mazzola.

“Simone a gravou nos Estados Unidos com um arranjo espetacular de Erich Bulling (arranjador americano). A nossa gravação tem algo mais latino, com arranjo de Lincoln Olivetti. A música estourou com a Simone, foi tema de novela (Sol de Verão). Há males que vêm para o bem”, diz Kleiton.

Outra passagem que a dupla se orgulha, e pôde corrigi-la no ano passado, depois de 36 anos, foi disponibilizar no Brasil, nas plataformas digitais, o disco Kleiton & Kledir em Espanhol, com versões de seus principais sucessos e participações dos argentinos Mercedes Sosa e León Gieco. “Temos uma ligação muito forte com a América Latina. Nascemos quase na fronteira com o Uruguai. Nosso pai era uruguaio.

Nosso avô, o Ramil, era espanhol. E essa sempre foi nossa segunda língua. Era um projeto nosso, pessoal. Lançamos na Argentina, mas a gravadora, na época, não teve interesse em trazer para o Brasil”, conta Kledir.

A vontade da dupla, assim que a pandemia der uma trégua, é colocar o show de 40 anos de carreira na estrada. Outro projeto é a apresentação com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), prevista para julho, mas com possibilidade de adiamento.

Enquanto os shows não voltam, Kleiton, que é mestre em música, aproveita a pausa forçada para ensinar canto e técnica vocal em um curso que criou com 20 videoaulas para profissionais ou amadores. Kledir segue compondo (um novo single deve ser lançado em breve), acreditando que, a qualquer momento, a humanidade pegue um atalho de volta para uma sociedade onde haja mais paz, amor e saúde.

Kleiton & Kledir 40 Anos

3 de junho, 21h

Canal 500 da Claro TV ou pelo YouTube: bit.ly/teatroclaro

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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