A principal diferença com o modelo de gestão baseado em associações sem fins lucrativos – que é a forma mais tradicional de administração utilizada pelos times no Brasil – é que nas estruturas associativas não há donos como nas empresas. Assim, parte das decisões é tomada nos conselhos e a escolha de presidentes, que possuem tempo de mandato determinado por estatuto, é realizada via processo eleitoral.
Para o vice-presidente do Cuiabá, Cristiano Dresch, a gestão de um clube nos moldes empresariais tem a vantagem de ser mais ágil, menos burocrática na tomada de decisões e mais cuidadosa e responsável com os próprios gastos. “O clube-empresa tem um dono e o dono vai responder diretamente pelos prejuízos caso o clube venha a ter”, compara. O dono, no caso do Cuiabá, é Manuel Dresch, pai de Cristiano.
A família Dresch é proprietária da Drebor, uma fabricante de materiais e tecnologias para recapagem de pneus, fundada em 1989. O empresário chegou em Várzea Grande em 1982, onde montou uma recapadora de pneus e, anos mais tarde, fundou a Drebor Borrachas. A família que comanda o Cuiabá também é dona de outra marca de produtos para recapagem de pneus para caminhões, tratores e colheitadeiras, a Raytak.
A empresa se aproximou do Cuiabá em 2003 para ser patrocinadora da equipe dois anos depois de o time ser fundado em 2001 por Luís Carlos Tóffoli, o Gaúcho, ex-centroavante que teve passagens por Flamengo, Palmeiras e Grêmio.
A relação como patrocinadora, no entanto, durou só até 2006, quando o Cuiabá se licenciou e interrompeu as suas atividades por três temporadas. Em 2009, a família Drecht comprou a agremiação e, até hoje, segue administrando o clube escorada pelos investimentos da Drebor. A responsabilidade de fazer a gestão das áreas administrativas e do futebol do Cuiabá está nas mãos de Cristiano e do seu irmão, Alessandro Dresch, presidente do clube.
MENTALIDADE DE EMPRESA – Drecht afirma que ser um clube-empresa não garante automaticamente a agilidade, a diminuição de processos burocráticos e a responsabilidade financeira que um clube precisa ter. Para se alcançar tudo isso é necessário que o clube tenha o que o dirigente chama de “mentalidade de empresa”. Isso significa, na visão do vice-presidente, direcionar os esforços do trabalho para a obtenção de lucros. “Não vislumbramos o lucro para benefício próprio. A gente vislumbra o lucro para reinvestimento no próprio Cuiabá e na melhoria da estrutura dele”.
Os investimentos têm promovido os resultados esportivos almejados e os lucros que Dresch almeja. Depois de construir uma sólida hegemonia em nível estadual – conquistou oito títulos dos últimos nove campeonatos mato-grossenses -, o Cuiabá atingiu o ápice em 2020 com o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro. A receita do clube deu um salto: saiu de R$ 21,5 milhões, em 2020, para, aproximadamente, R$ 70 milhões nesta temporada. O aumento de patrocinadores e cotas de transmissões televisivas deram maior poder financeiro ao Cuiabá.
Apesar dos investimentos, o dirigente considera que a principal missão do Cuiabá no Campeonato Brasileiro é não voltar para a Segunda Divisão. “Temos experiência com acessos. Sabemos que o primeiro ano é o mais difícil. Esse ano a gente não espera nada além de uma grande dificuldade. Para nós, permanecer na Série A é um título.”
A atual folha de pagamento do time está 80% mais cara do que a do ano passado, segundo o vice-presidente. O considerável aumento dos salários passa pela nova metodologia de contratação do Cuiabá, que deu prioridade para assinar com jogadores que já disputavam a Série A, a exemplo do goleiro Walter, dos zagueiros Marlon e Paulão, do lateral-esquerdo Uendel, e dos atacantes Jonathan Cafu e Clayson.
60% DOS GASTOS COM ELENCO – Em relação à equipe responsável pelo futebol, o dirigente abre mão de contar com a presença de profissionais que os clubes associativos não costumam dispensar. É o caso do cargo de diretor de Futebol, muitas vezes responsável pelas contratações de atletas e negociação de contratos. “Não dá para a gente delegar uma função que vai corresponder a 60% do que a gente vai gastar. Não posso deixar a maior fatia do orçamento para o namoro de outras pessoas”, diz Drecht, que optou por montar um departamento de mercado dentro do Cuiabá, em que ele mesmo é um dos responsáveis por observar e contratar novos jogadores.
Mesmo com essa estrutura de trabalho diferenciada, o Cuiabá adota muitas vezes práticas comuns aos demais clubes. O técnico Alberto Valentim, por exemplo, foi demitido logo após o empate contra o Juventude ainda na 1ª rodada do Campeonato Brasileiro. Drecht afirma que o motivo da interrupção do trabalho de Valentim foi a qualidade e produtividade dentro do jogo, que não estava agradando apesar da invencibilidade de dez partidas à frente do time mato-grossense e o título do campeonato estadual. “Estava invicto, mas dentro de um torneio que não exige nada do Cuiabá. É meio que uma obrigação o Cuiabá ganhar os jogos do Campeonato Mato-Grossense”.
Em entrevista ao canal SporTV, Valentim disse que Drecht interferia na escalação em campo, “querendo quase obrigar que eu colocasse certos jogadores ou tirasse outros”. Questionado pelo Estadão, o vice-presidente desmentiu as falas do treinador. “Acho que o Alberto se equivocou ao falar isso. Qualquer treinador de bom nível jamais aceitaria esse tipo de interferência. Se a coisa parte para esse nível de interferência, a primeira coisa que eles fazem é pedir demissão. O Alberto não teve coragem de pedir demissão. A gente é que teve de tomar a iniciativa de demiti-lo”.
XINGAMENTO – A discussão que o vice-presidente teve com o zagueiro Luiz Gustavo por telefone, revelada publicamente esta semana, foi outro assunto que tumultuou o Cuiabá internamente. Na conversa, Dresch se refere a Luiz Gustavo como “jogadorzinho de merda”, e o chama de “seu bosta” e “seu quebrado”. O dirigente ainda disse ao jogador “eu sei onde você mora”, “você está na minha terra”, frases que foram interpretadas pelo zagueiro como uma ameaça.
O desentendimento aconteceu porque não houve acordo do atleta com o departamento de Recursos Humanos sobre o seu desligamento. O áudio da conversa foi anexado ao processo que Luiz Gustavo, hoje ex-atleta da equipe mato-grossense, move contra o time na 1ª Vara Trabalhista de Cuiabá. “Eu me arrependo e peço desculpas à toda torcida e às pessoas que ouviram esses áudios que não representam o que é Cuiabá”, disse Cristiano à reportagem do Estadão.
Para Brecht, do ponto de vista de quem investe no Cuiabá, o fato do time ser um clube-empresa é mais vantajoso em comparação aos clubes associativos. “Eu nunca investiria em um clube que troca de presidente a cada três anos”, afirmou.
Roberto Motta, presidente da Agro Amazônia, empresa de insumos agropecuários e que patrocina o Cuiabá desde abril, assume que sentiu agilidade na hora de firmar o contrato com o clube matogrossense. Motta relatou à reportagem que as negociações foram rápidas e “bem menos burocráticas”, quando questionado sobre como foi fazer acordo com um clube-empresa.
AMÉRICA-MG E ATLÉTICO-GO – América-MG e Atlético-GO estão em processo para fazer a transição do tradicional modelo associativo para o de um clube-empresa. Entre as razões em comum dos dois times para essa transformação são a de ampliar as receitas e ter um time competitivo que consiga se manter na primeira divisão do futebol nacional.
Nos últimos dez anos, América-MG e Atlético-GO disputaram a Série A, mas sem um período longo de permanência. Nesse tempo, a equipe mineira conseguiu quatro acessos (2010, 2015, 2017 e 2020), mas voltou à Série B nos anos seguintes (2011, 2016 e 2018). A equipe goiana conseguiu, no máximo, se manter na elite por três anos seguidos (2010-2012), e teve outros dois acessos, em 2016 e 2019. Em 2020, o Atlético-GO se manteve na Série A e vai disputar o Brasileirão pela segunda vez consecutiva.
“O Atlético-GO é consciente do seu tamanho. É um clube que sabe que precisa se fixar na primeira divisão. E, para se fixar na primeira divisão, com os recursos que tem, é muito difícil. Ou seja, são normais as chances de o clube continuar em um sobe e desce. O Atlético-GO compete com clubes de orçamentos muito maiores”, afirma Eduardo Carlezzo, advogado que teve o escritório contratado pelo Atlético-GO para a criação da sociedade e para fazer a negociação com os investidores.
Na avaliação de Marcus Salum, ex-presidente do América-MG e que hoje ocupa o cargo de coordenador de futebol clube-empresa da equipe mineira, o orçamento dos clubes que sobem da Série B para a primeira divisão “não é suficiente para ser altamente competitivo”. A receita do América no ano passado, de acordo com o Salum, foi ligeiramente acima de R$ 40 milhões, valor que pode subir para R$ 80 milhões em 2021, segundo a previsão do coordenador. “No nosso entendimento, um orçamento de um clube de Série A, no mínimo, é de R$ 150 milhões”.
O Atlético-GO já criou uma sociedade anônima, a Atlético-GO S/A, e hoje busca investidores para vender partes das ações da nova empresa. Apesar de criada, a Atlético-GO S/A ainda não está operacionalizada, o que significa que ainda não está registrada na CBF (Confederação Brasileira de Futebol). “Quando isso for fechado, quem vai ser registrado não vai ser mais a associação e, sim, a Sociedade Anônima”, disse Carlezzo.
O projeto de transformação em clube-empresa do América-MG envolve a criação de uma nova empresa no estilo de NewCo (Nova Companhia), que prevê a participação conjunta de um investidor com a parte associativa do clube. A proposta estipula que a associação continue existindo, mas deixando de ser responsável pela parte do futebol, cujo controle passará a ficar nas mãos da nova empresa. “Uma empresa com sede independente que vai acordar pensando em futebol e vai dormir pensando em futebol”, afirmou Marcus Malum.
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