E veio a vigésima sétima conferência do Clima, ela chega num momento único de sua história, tem como palco a cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito, começou no último dia sete a vai até o dia dezoito de novembro de 2022, Egito, um país mais do que milenar, uma riqueza cultural que atravessa o tempo, quem de nós em algum momento de nossas vidas não ouviu ou não leu algo sobre ele, Egito tão rico de tradições, vasto geograficamente, com seu portentoso e majestoso Rio Nilo, longe do nosso querido Brasil, mas por incrível que pareça ambos os países possuem muitas semelhanças. Tanto lá, como aqui a ação humana no meio ambiente é muito grande, ação cheia de contradições e perigos a curto, médio e longo prazo para todas as espécies; a complexidade de lá e de cá são gigantescas, somente palavreados rebuscados e recheados de aparências terão pouca serventia a nós.
Antes, precisamos aqui trazer a figura ímpar e singular de Bruno Latour (1947-2022), antes de qualquer conferência sobre as mudanças climáticas, ousou falar, ousou denunciar, ousou pisar num terreno onde ninguém até então tinha se atrevido a fazê-lo, captou como poucos a mudança de tempo pelo qual todos estamos passando, assim como atraiu uma legião de fãs ao redor do mundo, colecionou muitos desafetos, para muitos ele desconstruiu a ciência, para outros ele foi simplesmente o maior dos pensadores da crise atual ecológica e outros o taxaram de apenas de um “controverso autor da crítica à base social da ciência”. Quem não tem familiaridade com a obra de Latour pode sim em certos momentos sentir-se confuso, pois sua formação além da filosofia, foi também a de antropólogo, sociólogo e teólogo; autor multifacetado pensou sobre muitas coisas totalmente fora da curva habitual.
A atual conferência do clima vinte e sete, assim como as outras que a antecederam não ficaram isentas de críticas, com essa não será nada diferente, ousar dizer que são os humanos que correm perigo e não a natureza pode soar perigoso, mas é justamente isso que muitos estão fazendo nesse momento, quase todos aqueles que estão no Egito nesse momento debatendo sobre todas as mudanças climáticas sabem que corremos perigo, apenas uma minúscula parte que lá está não quer entender isso ou os interesses que eles defendem não lhes permitem tomar outras atitudes, por que se assim o fizessem as empresas que eles defendem ruiriam de uma hora para outra. Hoje mais do que nunca grande parte da humanidade se questiona sobre o modelo de progresso que foi imposto a todos; esse progresso não foi unânime, ele trouxe consigo o melhor e o pior do ser humano.
Viver hoje requer muita audácia e coragem de cada um, do maior ao menor, todos são interpelados sobre o modelo de vida atual que nos rodeia, as fraturas sociais estão diante de cada um, as reações são muito diversas pois até mesmo o menos pior dos regimes existentes, isto é, a democracia, não consegue dar conta em busca de uma resposta que satisfaça a comunidade. De tanto “progresso” que obtivemos, não sabemos lidar o mínimo possível com o diferente que está a nosso lado, que pensa e age diferente perante a vida, de tanto sonhar com uma qualidade de vida exuberante, não poupamos nossas cidades, nossos rios e o meio ambiente como um todo, de colocar entulhos e quinquilharias que nos serviram por um pequeno espaço de tempo e agora infernizam nossas mentes sobre o que devemos fazer com todas elas se queremos viver dignamente.
O Brasil sabe bem todas as consequências das crises climáticas que aí estão, este país tem sofrido ao longo de décadas com todos os tipos de intempéries, são diversos os desastres a cada ano, secas, enchentes, vendavais, gafanhotos, desmatamentos, incêndios, matanças indiscriminadas de animais silvestres, populações silvícolas dizimadas pela hybris dos conquistadores e o pior de tudo: as mortes de tantos inocentes que não fizeram absolutamente nada para o atual estágio civilizacional em que nos encontramos. Nosso Brasil tem um papel fundamental na CPO 27, ou seja, que aqueles que lá estarão não vão apenas viajar e conhecer pontos turísticos do Egito, a missão de nossos representantes é gigantesca, então que o cinismo (uma marca já tão conhecida e registrada pelos holofotes) não prevaleça, que seja uma ocasião de amadurecimento e muitas ações.
Bioeticamente, mais uma vez somos convidados a sermos confiantes, a termos esperanças na vida, a tomarmos consciência de que a crise climática e seus diversos derivados colocam tudo e todos de joelhos num piscar de olhos e que para nos reerguermos leva muito tempo e custa absurdamente caro no plano econômico, nossa caminhada neste belo Planeta precisa mudar em muito, a hiperconectividade na qual tantos se põem de joelhos deveria sim nos fazer mais conscientes, mais corajosos, mais empreendedores na salvaguarda do meio ambiente e não apenas meros consumidores de ilusões. Nós já temos entre nós muitos desertos que precisam ser cuidados e revitalizados, não precisamos ir até Marte conhecer mais um, não precisamos mais de elefantes brancos como o de Belo Monte, uma das maiores mentiras já fabricadas em nosso querido Brasil. Oxalá a COP 27 marque de uma vez por todas um novo trajeto para a humanidade, como já dito em outras ocasiões, nós precisamos da Terra para viver, já ela não precisa de nós, vive sim sem nós.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.