Bibliotecário em duas escolas do Sesi, ele começou a participar das aulas online, mas sentia que faltava algo. “Faltava a proximidade com os meus estudantes”, ele conta agora, por telefone – e no fundo é possível ouvir vozes de crianças, aquela baguncinha da hora do recreio. É um momento diferente daquele quando, pensando em novas formas de incentivar a leitura e de fazer o seu trabalho estando distante das crianças, ele idealizou o podcast O Prazer de Ler.
Oscar começou gravando a leitura de um conto infantil de André Neves, Lino, em maio de 2020. Lá pelo segundo ou terceiro episódio, teve a ideia de convidar os autores para participarem. Funciona assim: Oscar lê uma história – para crianças, mas não só – e depois o autor ou o ilustrador do livro escolhido conta um pouco como surgiu a ideia e revela seu processo criativo, por exemplo. Heloisa Prieto foi a primeira convidada e falou, no quarto episódio, sobre o conto A Loira do Banheiro.
“Acho que essa foi a grande sacada. Deu muito certo. Como eu conheço muitos autores por levá-los ao Sesi – nesses mais de 10 anos já levei cerca de 130 -, tenho uma boa rede de contatos e todo mundo foi topando”, diz. Para ele, essa proximidade faz toda a diferença. “Quando um autor visitava uma escola, era incrível ver como aumentava o fluxo de estudantes na biblioteca e como disparava o número de empréstimos.”
De maio do ano passado para cá, algumas coisas mudaram. A pandemia está longe de acabar, mas as crianças puderam voltar para a escola – e para a biblioteca. E o podcast, idealizado sem grandes pretensões e com foco nessas crianças que Oscar deixou de encontrar presencialmente por causa do coronavírus, agora ganhou o mundo – disponível nas principais plataformas, ele é ouvido em 30 países dos cinco continentes.
“Começou com um boca a boca, um foi passando para o outro, os autores foram divulgando e o podcast tomou uma proporção que eu nunca imaginei. Nunca imaginei, por exemplo, que ele seria ouvido no Camboja ou na Indonésia. Não tem mais fronteira, as pessoas querem histórias, querem o contato com a língua-mãe, quem mora em outros países quer que os filhos ouçam histórias em português para não perderem a conversação”, comenta, e conta que iniciou uma parceria com a Fundação Dorina Nowill. “Eu não tinha pensado nisso, mas o podcast literário é uma forma de aproximar a leitura também do deficiente visual e de quem tem baixa visão.”
Oscar lança um episódio por semana. Na primeira temporada, foram 49. Esta segunda já está no 26º e deve encerrar em 45. Os mais curtos têm cerca de 13 minutos. Os mais longos ultrapassam os 40. Tudo é feito de casa com um celular, que não é novo, e um computador, que é velhinho também, em suas palavras. Às vezes o cachorro do vizinho late, ou a campainha toca. E é preciso gravar mais uma, duas, três, dez vezes. No fim dá certo. Aos poucos, ele vai dando uma incrementada no roteiro. A novidade desta temporada foi a criação da seção Minhas Inspirações. Nela, escritores, ilustradores, bibliotecários e grandes leitores contam quais são os seus livros preferidos.
Por falar em grandes leitores, Oscar é um. Ele está sempre lendo. Literalmente. Só este ano ele já leu 112 livros – e não entram na conta os infantis. Tem sempre pelo menos um livro na mão, outro no celular, mais um no Kindle e um último no fone. Um parêntese: segundo a pesquisa Retratos da Leitura, o brasileiro lê em média 4,95 livros por ano – desses, 2,55 são terminados e 0,87 são leitura obrigatória da escola.
Oscar lê de tudo, menos livro religioso e de autoajuda. E vai lendo e já pensando o que pode ficar legal e funcionar no podcast, no qual procura ter todos os gêneros e obras de autores não só daqui. José Jorge Letria, de Portugal, e João Fernando André, de Angola, já participaram, bem como autoras da Argentina e Irlanda – nesses casos, com tradução.
O bibliotecário gostou da experiência, tem participado de muitas lives sobre leitura e considera que há muito espaço para crescer neste ramo de podcast literário voltado para educação. “Dá para fazer muita coisa legal e vejo isso como um apoio pedagógico para professores”, comenta este paulistano da zona norte que começou a vida como office-boy, foi dono de fliperama, viveu um tempo em Londres e Lisboa e que desde sempre foi frequentador assíduo de bibliotecas, sebos e livrarias.
Oscar é leitor porque em algum momento se encantou com o livro. Não houve influência em casa nem de nenhum professor, ele conta. Mas a biblioteca da escola, que em sua época era uma sala fechada e vista como um lugar de castigo, era, para ele, um outro mundo. “Lembro de ficar doido para ir à biblioteca e não podia. Eu aprontava alguma só para ir para lá. Aprontava, me diziam que eu ia ficar de castigo na biblioteca, eu fazia cara de triste, mas estava feliz da vida. Essa é uma lembrança muito nítida da infância, do período que seria hoje o Ensino Fundamental.”
Já naquela época, lia tudo o que caía em sua mão. O Gênio do Crime, de João Carlos Marinho, foi uma leitura que o marcou. Como não havia livros em casa nem biblioteca perto, o jeito era dar uma espiada na banca de jornal – e, assim, se tornou também leitor de quadrinhos.
Com seu histórico e sabendo que se sentia melhor quando estava cercado por livros, a faculdade de biblioteconomia foi um caminho natural. Hoje, ele se divide entre duas escolas do Sesi, em Osasco e Cotia, e tenta fazer desses espaços de leitura o lugar mais agradável da escola. Isso, para ele, significa que ela será aconchegante e acolhedora, estará sempre de portas abertas e terá, na medida do possível, livros novos. Oscar acredita que isso e seu entusiasmo pelo livro poderão ajudar a aproximar as crianças das histórias. E ele faz uma brincadeira com elas: quem emprestar mais livros durante o ano ganha um exemplar novinho escolhido pelo bibliotecário.
“Sempre falo para os alunos: leia porque quem lê vai falar melhor, vai se expressar melhor, vai organizar melhor o pensamento, vai escrever melhor e não vai ser ludibriado por qualquer conversa fiada por aí. A leitura é fundamental e libertadora. Podem tirar tudo deles, menos o conhecimento. O livro, a leitura, a literatura podem mudar as pessoas para mudar o mundo, para torná-lo um lugar mais justo”, comenta.
“E, como diz o escritor Júlio Emílio Braz, quem lê só vai ter um problema: vai ficar muito inteligente”, finaliza o bibliotecário que volta e meia recebe alunos procurando livros de autores que eles conheceram por meio do podcast. E a lista dos que passaram pelo programa vai crescendo a cada semana: Pedro Bandeira, Ilan Brenman, Lúcia Hiratsuka, Roseana Murray, Edyr Augusto… Se depender do sonho de Oscar, logo estarão por lá também Drauzio Varella e Ignácio de Loyola Brandão.
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