Com a reabertura de algumas fronteiras na América do Sul, após o aumento no ritmo de vacinação contra a covid-19 em diversos países, os imigrantes que fogem das crises política e/ou econômica em seus países voltaram a tentar a travessia para a América Central e, de lá, para os EUA. Com isso, pela primeira vez em décadas, o maior crescimento migratório com destino ao território americano não está apenas entre populações do triângulo norte da América Central (Guatemala, Honduras e El Salvador), e México.
“Nenhum presidente (americano) lidou com isso antes, é novo. Nos últimos meses, mais de 40% das famílias que chegaram de forma ilegal aqui não eram no triângulo norte da América Central. São pessoas que não são deportadas facilmente, ou porque os países de origem são muito longe ou não têm relação consular forte com os EUA. Também não é possível deportar ao México, que não vai aceitar centenas de haitianos ou brasileiros. Estamos em um novo mundo da migração”, explica ao Estadão Adam Isacson, diretor para Defesa na WOLA (Washington Office on Latin America – grupo de advocacia pelos direitos humanos nas Américas).
Segundo dados do Departamento de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP) dos EUA, o número de imigrantes encontrados na região de fronteira em junho deste ano foi de 207.692. No mesmo mês de 2020, o número havia sido 50.086. Entre maio e junho deste ano, entre os maiores aumentos de imigrantes estão alguns que surpreenderam os analistas de imigração, os de pessoas originárias de Haiti (de 2.817 para 5.903), Nicarágua (4.414 para 7.425) e Cuba (2.664 para 3.070). “Antes, os imigrantes que chegavam vindo de outros países, fora daqueles da América Central, eram menos de 5%, mas agora são 25% dos casos”, diz Isacson.
Para a professora de Relações Internacionais da ESPM de São Paulo e especialista em EUA, Denilde Holzhacker, esse aumento significativo não foi uma surpresa, mas sim a rapidez com que ocorreu. “Sempre houve esse fluxo e agora há três fatores que o fazem aumentar. Um é a pandemia e a crise econômica que ela trouxe, outro, no caso dos países caribenhos, é a instabilidade política, como no Haiti e até em Cuba. E no caso da América do Sul, continuam sendo os fatores econômicos”, diz.
Pós-pandemia. Segundo o diretor na WOLA, não é possível determinar a causa pontual desse aumento por enquanto. “As fronteiras estão abertas agora e vemos imigrantes de todo o mundo, é difícil prever o que é resultado da própria pandemia e o que é impacto das crises locais. Em casos de tragédias naturais, por exemplo, leva de 3 meses a 3,5 meses para vermos o impacto aqui. Quem vem do Caribe leva um pouco mais de tempo. Temos visto que os imigrantes agora estão voando até a Cidade do México e Cancún para entrar aqui ou passando pela Colômbia”, diz Isacson.
Um exemplo disso é o acúmulo de mais de 10 mil imigrantes, a maioria vinda do Haiti, na pequena cidade colombiana de Necoclí (de 22 mil habitantes). O local recebe cerca de 600 imigrantes por dia, que tentam cruzar a Colômbia e passar pelo Estreito de Daríen – que separa a América do Sul da América Central – para depois seguir aos EUA.
A Colômbia recebeu desde o começo de 2021 mais de 25 mil imigrantes em situação irregular, segundo dados da Migração Colômbia. O diretor Juan Francisco Espinosa Palacios explica que os imigrantes foram se direcionando para diferentes regiões de acordo com os diferentes destinos finais.
Em Necoclí, a única empresa responsável por levar os imigrantes de barco até o Panamá não deu conta do alto fluxo migratório e, agora, há mais de 10 mil esperando para cruzar rumo à América Central. Segundo o prefeito Jorge Tobón, a maior parte desses imigrantes estava vivendo em países como Brasil e Equador, esperando justamente a oportunidade para ir até a América Central.
A Colômbia reabriu suas fronteiras com Panamá, Equador, Brasil e Peru em maio. Um mês depois, foi a vez de reabrir a fronteira com a Venezuela.
Neste ano, foi constatado também o aumento da chegada de venezuelanos em território americano, mas vindos de outros países sul-americanos. Essas pessoas tinham deixado a Venezuela havia alguns anos, mas com a pandemia da covid-19 perderam seus empregos nos países onde estavam vivendo e começaram a tentar a ida aos EUA.
Desafio. A motivação geral dos imigrantes para deixar seus países e buscar os EUA continua sendo problemas econômicos, sociais e políticos. A questão é saber como o presidente Joe Biden vai lidar com o novo fluxo migratório e quais políticas pode adotar na agenda que vem sendo liderada por sua vice, Kamala Harris.
“Isso nunca aconteceu, acredito que Biden vai pressionar ainda mais o México para sufocar as redes de traficantes de pessoas que auxiliam na travessia irregular”, diz Isacson.
“A política de Biden não só na campanha, mas também nos cem primeiros dias do governo, tinha como foco retirar as barreiras colocadas por (Donald) Trump. O aumento agora cria um outro tipo de pressão, por parte dos grupos que apoiam medidas mais duras nessa questão. Do outro lado, você tem a pressão relacionada aos direitos humanos. O tratamento na fronteira durante o governo Trump era restritivo e de encarceramento. E agora? Vai manter a política de deportação? Vai manter as pessoas em abrigos? Entre os democratas, há grupos que pressionam por mais liberalização”, avalia Denilde Holzhacker.
Outro fator que surpreende as organizações que atuam com os imigrantes que chegam em situação irregular na fronteira é o fato de o número ser tão alto na época de verão. “Nunca vimos tanta imigração nessa época do ano, que é tão quente. E pelo o que estávamos ouvindo na fronteira, parece que em julho o fluxo será enorme, o que significa que vai crescer ainda mais e será um grande desafio para Biden e os democratas”, afirma o diretor da WOLA.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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