De difícil diagnóstico, Transtorno da Personalidade Esquiva ainda é pouco estudado

Com consequências duradouras e de impacto extremo para aqueles que a desenvolvem, sintomas vão desde sentimento intenso de inadequação a abuso de substâncias, como o álcool

Assessoria USP

Os transtornos de personalidade são caracterizados por serem padrões de comportamento e de pensamento muito rígidos e disfuncionais, que podem causar sofrimento ou até mesmo comprometimento físico. Não apenas aqueles que têm o transtorno sofrem, mas todos em volta também, principalmente pelos comportamentos sociais não comuns. Esses padrões continuam estáveis durante a vida inteira, podendo piorar se o tratamento não for buscado. 

O Transtorno de Personalidade Esquiva (TPE) é um dos transtornos de personalidade menos estudados atualmente. Trata-se de um transtorno crônico de má-adaptação social por conta de um sentimento intenso de inadequação. Segundo o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH), a prevalência dele na população é de cerca de 1,5% a 2%, sendo que as mulheres são um pouco mais propensas a desenvolver o TPE. 

“Transtorno de personalidade esquiva caracteriza-se por alterações já desde muito cedo no desenvolvimento humano, normalmente tomando maiores proporções no início da adolescência, em que a pessoa acaba por sentir uma versão muito grande de rejeição social de situações que ela possa se sentir inadequada, ou sentir vergonha de se sentir julgada”, explica Alan Campos Luciano, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. 

Pessoas diagnosticadas com esse transtorno têm uma dificuldade imensa em se relacionar com outras, romanticamente ou não, por sentirem que não são adequadas socialmente e terem um medo irracional de ser rejeitadas, humilhadas ou criticadas. Amizades, neste mesmo caminho, acabam se tornando escassas, já que elas estão constantemente isoladas. Também têm uma desconfiança intensa de todos ao seu redor, além de se auto avaliarem negativamente, e relutam em assumir riscos pessoais ou engajar-se em novas atividades.

Necessitam constantemente de garantias de aceitação e aprovação social, além de terem que se sentir seguros e não criticados para manter algum tipo de relação. Por isso, preferem o isolamento. Como mecanismo, passam a se esquivar de situações sociais de interação. “Então, ela passa a se esquivar de situações que ela julga ser ameaçadora para ela e, neste momento, ela passa a ter um padrão constante que tende a se perpetuar ao longo da vida”, explica Luciano. O curioso desse transtorno é que a esquiva pode ser um mecanismo de defesa mais do que um dos sintomas. O mesmo acontece com a supressão das emoções, muito comum no TPE.

Como é desenvolvido? 

O transtorno pode ser diagnosticado ainda na infância. Porém, o comum é identificá-lo após os 18 anos. Isso porque, a partir dessa idade, as interações sociais ficam mais frequentes e necessárias. Não se sabe ao certo quais são os motivos para o desenvolvimento do Transtorno de Personalidade Esquiva, mas acredita-se que se trata de algo adquirido de acordo com o meio e com as experiências prévias durante a infância, principalmente de rejeição e marginalização. 

“A autoestima que ele cria durante o desenvolvimento, as experiências de interação social e interpessoal que ele tenha ao longo da vida podem reforçar uma segurança maior ou uma insegurança maior, favorecendo o desenvolvimento do transtorno”, explica o médico. 

Fobia social e outros transtornos

Adicionado ao Manual de Transtornos Mentais apenas em 1980, até hoje é debatido se o TPE é um transtorno à parte ou apenas uma variação dentro dos transtornos de ansiedade. Por muito tempo, inclusive, foi confundido com o Transtorno de Ansiedade Social, também conhecido como fobia social, transtorno referente a uma incapacidade de lidar com situações sociais por conta de uma ansiedade intensa e um sentimento de vulnerabilidade.

Acreditava-se também que o TPE só poderia ser diagnosticado em uma pessoa caso ela também tivesse fobia social, o que foi provado não verdadeiro. Isso, porém, não descarta a possibilidade de o paciente desenvolver ambos os transtornos. Aliás, é comum que o TPE seja acompanhado  por outros transtornos, como o depressivo ou o obsessivo-compulsivo. “É comum nessa situação o uso abusivo de álcool, para, de alguma forma, mitigar a ansiedade que a pessoa sente quando tem que se expor socialmente”, diz o médico.  

Alan Luciano ainda explica que “o diagnóstico diferencial, como fobia social, é um diagnóstico difícil, tende a ter uma repercussão maior, normalmente com mais sintomas ansiosos, mais sintomas somáticos com picos de ansiedade, podendo desencadear até crises de pânico em algumas situações sociais.” Há, também, uma associação entre esse transtorno com o Transtorno de Personalidade Esquizoide, assim como uma relação com o espectro dos transtornos relacionados à esquizofrenia.

Tratamento

O diagnóstico é feito por psiquiatras e psicólogos e o tratamento é, comumente, a psicoterapia. Quando o transtorno vem acompanhado de outras comorbidades, estas também devem ser tratadas de acordo com suas especificidades, com a ajuda de ansiolíticos e antidepressivos. 

“O tratamento do Transtorno de Personalidade Esquiva se baseia, principalmente, em psicoterapia e terapia cognitivo comportamental, com treino de habilidades sociais. Investigar outros núcleos da autoestima da pessoa e desenvolver isso ao longo da terapia, algumas vezes medicações, podem ser necessárias para ajudar à exposição em algumas situações ou para tratar comorbidades”, explica Luciano. 

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