A preocupação se dá em razão de o substitutivo prever que “os inquéritos policiais serão conduzidos por delegados integrantes da carreira nele referida, designados pelo Diretor-Geral”. Os delegados temem que a redação estabeleça a possibilidade de o chefe da corporação escolher o delegado que vai conduzir determinada investigação.
“[O texto] cria uma espécie de Delegado ‘ad hoc’ para cada caso, escolhido sem critérios objetivos”, alerta Tania Prado, presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal e do sindicato paulista da classe.
Atualmente, a distribuição das investigações é feita de acordo com o tema da apuração, que é repassada a um delegado da área correspondente, sem que haja a possibilidade de escolha de quem irá presidir determinado inquérito.
De acordo com a delegada Tania Prado, o texto prevê que a atuação do delegado da PF passe a ser uma “função que pode ser retirada”, o que viola os princípios da impessoalidade e da probidade na Administração Pública.
“Claramente tais propostas de mudanças no texto constitucional representam grave retrocesso, na contramão do estabelecido na lei 12.830/2013 e do princípio do delegado natural. Enquanto isso, infelizmente propostas de emenda à constituição para fortalecimento do órgão, com previsão de autonomia funcional, administrativa e financeira da PF e para mandato de Diretor-Geral, com lista tríplice, estão paradas há anos no Congresso Nacional” , diz a delegada.
Na mesma linha, o delegado Edvandir Paiva, da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal avalia que a proposta de mudança no artigo 144 da Constituição, que dispõe sobre o trabalho da Polícia Federal, parece deixar o diretor-geral da corporação como alguém que vai escolher quem conduz a investigação: “Isso não é algo republicano, não funciona em nenhum órgão”.
“No Judiciário, há uma distribuição eletrônica; no Ministério Público, há uma distribuição por matéria ou por local; na Polícia Federal também é por matéria ou por local. Uma matéria sobre eleitoral vai pra área eleitoral, onde tem os delegados especialistas que concorrem a essa distribuição. Não faz o menor sentido colocar um dispositivo pra que o diretor-geral, que é o representante da polícia mas é um cargo político, de nomeação política, seja responsável por fazer distribuição de inquérito na Polícia Federal”, completa o chefe da ADPF.
O delegado diz que a proposta foi feita ‘do dia pra noite’, sem nenhuma conversa com a classe. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal convocou uma assembleia geral extraordinária para esta quinta-feira, 2, para discutir como agir com relação ao substitutivo.
Paiva não vê motivos para a mudança na distribuição dos inquéritos e defende até que fossem fixadas regras mais firmes, para que ela fosse feita de modo eletrônico, por exemplo, para que “não haja nenhuma discussão sobre parcialidade ou imparcialidade da Polícia Federal”.
O delegado também questionou o fato de a previsão de foro para o diretor-geral se dar de modo isolado. “O foro privilegiado, dentro de um pacote de proteções pra Polícia Federal, não teria problema. Agora ele isolado, pra quê? Ele vir assim isoladamente, pra quê? E, mais importante que o foro do diretor-geral, é o mandato, é a autonomia administrativa da Polícia Federal. Isso é muito mais importante do que o foro privilegiado de qualquer cargo comissionado da PF, até porque o diretor-geral nem faz investigação, quem está mais exposto é quem faz”, afirmou.
A proposta que dá poderes ao DG foi apresentada por Maia um mês após o ministro Alexandre de Moraes determinar à PF a retomada do inquérito que investiga suposta tentativa de interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Desde a renúncia do ex-ministro Sérgio Moro, com as acusações feitas a Bolsonaro – o estopim que motivou a abertura da apuração – a autonomia da corporação é tema de debates.
Além disso, a proposta de novo texto da reforma administrativa foi apresentado em meio a abertura de uma série de inquéritos que miram o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, muitos deles interconectados e conduzidos pelas mesmas equipes de investigadores.
Ao longo do governo Bolsonaro, diferentes trocas na PF envolvendo a chefia da corporação foram questionadas, sendo um dos casos mais emblemáticos o do delegado Alexandre Saraiva, ex-chefe da PF no Amazonas.
O delegado foi pivô da primeira crise entre Moro e Bolsonaro, ainda em 2019, quando o presidente anunciou que ele poderia se tornar o sucessor de Maurício Valeixo – delegado que comandava a corporação à época e era próximo ao ex-juiz da Lava Jato. Já neste ano, o então chefe da PF no Amazonas caiu após enviar ao Supremo Tribunal Federal notícia-crime contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, um dos principais aliados de Bolsonaro. Á época, continuou conduzindo investigações relacionadas ao combate à extração de madeira na PF do Amazonas, mas depois acabou transferido para a Delegacia da corporação em Volta Redonda, no Rio de Janeiro.
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