Dengue: não subestime a doença

Pesquisa mostrou que, para 31% dos entrevistados, dengue deixou de existir durante a pandemia. Resultado é um número preocupante de infectados

Nos últimos dias, quem acompanha notícias de Pato Branco sobre a saúde se deparou com muitos, muitos casos de dengue. Os cuidados para que essa doença endêmica seja, ano a ano, menos impactante, são lembrados incansavelmente há mais de uma década, mas parece que foram esquecidos desde que a pandemia de coronavírus tomou conta do mundo. É como se usar máscara impedisse de deixar água empoçada, mas uma ação não pode anular outra.

Para se ter uma ideia da gravidade do problema, segundo o informe Epidemiológico da Secretaria de Saúde do Paraná (Nº 30/ 2021-2022), no período de 10 de agosto de 2021 a 15 de março de 2022, já foram notificados 33 629 casos, com 4 489 casos confirmados e um óbito, sendo que nos últimos 15 dias, foram 9 474 casos novos notificados, correspondendo a cerca de 28% dos casos notificados nos últimos sete meses. São números realmente preocupantes.

Conforme a médica infectologista Susane Marafon, o verão quente e muito chuvoso favorece o crescimento do número de mosquitos. “No Brasil, como é um país tropical, temos apresentado casos de contaminação o ano todo, mas os picos de epidemia surgem, principalmente, durante verões chuvosos, pelo acúmulo de água, ambientes onde o transmissor da doença se reproduz”, explica.

Susane diz que existe uma série de fatores que contribuem para a proliferação do mosquito transmissor que torna impossível sua erradicação. “Por exemplo, se um município conseguisse erradicar o mosquito, rapidamente mosquitos de cidades vizinhas repovoariam esse novo local”, fala.

Além disso, a médica enumera inúmeras dificuldades para o controle da doença no nosso país, entre elas o crescimento urbano desordenado com urbanização precária, além da falta de saneamento básico, coleta regular de lixo e políticas de reciclagem. “E a procriação do mosquito está intimamente relacionada com o acúmulo de lixo, por exemplo.”

Prevenção

Além de não deixar água parada, medida que todo mundo conhece para conter a proliferação de Aedes aegypti, Susane indica, como prevenção, o uso de roupas que diminuam a exposição da pele durante o dia, que é quando os mosquitos são mais ativos, proporcionando alguma proteção às picadas.

Repelentes e inseticidas também podem ser usados, seguindo as instruções do rótulo. Mas é preciso lembrar que eles possuem ação limitada e não eliminam o mosquito, apenas o mantém distante.

Além disso, os mosquiteiros proporcionam boa proteção para aqueles que dormem durante o dia, como bebês, pessoas acamadas e trabalhadores noturnos.

“Também existe uma vacina contra a dengue registrada na Anvisa, que está disponível na rede privada. Ela é usada em 3 doses no intervalo de 1 ano e só deve ser aplicada em pessoas que já tiveram pelo menos uma infecção por dengue. Infelizmente ela não está disponível no SUS”, diz a médica.

A doença

“A dengue é uma doença viral transmitida por mosquitos fêmea, principalmente da espécie Aedes aegypti . Existem quatro distintos, porém intimamente relacionados, sorotipos do vírus que causa a dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). No Paraná, no momento atual, temos predominância do DENV-1”, explica Susane.

Sobre a infecção pelo vírus da dengue, a infectologista alerta que ele pode causar quadros com poucos sintomas até quadros graves, que podem evoluir para o óbito.

“Geralmente, a primeira manifestação é a febre alta, associada a dor de cabeça, fraqueza, dor no corpo e atrás dos olhos. Em metade dos casos, pode ocorrer as manchas vermelhas pelo corpo, que pode ser acompanhado de coceira intensa. Além disso, pode ocorrer náuseas, vômitos e diarreia”, informa.

“A recuperação da infecção fornece imunidade vitalícia contra o sorotipo adquirido. Entretanto, a imunidade cruzada para os outros sorotipos após a recuperação é apenas parcial e temporária. Infecções subsequentes aumentam o risco do desenvolvimento de dengue grave”, alerta.

Nos casos graves da doença, existem várias complicações que o paciente pode apresentar, como: alterações graves do sistema nervoso; alterações cardiorrespiratórias e no fígado; plaquetas abaixo de 20 000/mm3 e/ou leucócitos abaixo de 1.000/mm3; hemorragia digestiva; e até evolução para óbito. “Por isso a importância de passar por atendimento médico sempre e observar os sinais de alarme”.

Os sintomas considerados de alarme são dor abdominal intensa e contínua; fígado aumentado de tamanho e doloroso; desconforto respiratório; sonolência ou irritabilidade excessiva; e sangramento de mucosas. Esses sinais, são sempre pesquisados pelo médico que presta assistência ao paciente.

Tratamento

A dengue não possui um tratamento específico. “Para os pacientes que possuem condições clínicas de tratamento em domicílio, prescrevemos medicações que tratam os sintomas, como antitérmicos, analgésicos, antieméticos e antialérgico, além de orientar o repouso. Mas, a orientação mais importante para os pacientes é a hidratação oral intensa. Por exemplo, um paciente de 70 quilos deve ingerir cerca de 6 litros de líquidos ao dia, divididos entre soro caseiro, água, chás, sucos e outros líquidos”, recomenda a médica.

Quando alguém está com dengue em casa, aumenta o risco de outras se contaminarem?

Conforme explica Susane, após picar uma pessoa infectada com um dos quatro sorotipos do vírus, a fêmea do mosquito Aedes aegypti consegue transmitir o vírus para outras pessoas. “Assim, não há transmissão direta entre as pessoas. Uma vez que a dengue é transmitida por picadas do mosquito, os possíveis criadouros, como vasos de plantas, garrafas, pneus ou outros recipientes com acúmulo de água parada devem ser eliminados de casa, para que outras pessoas não sejam picadas naquele domicílio”, reforça.

Susane diz ainda que o período adequado para a realização do isolamento viral (NS1) é até o quinto dia da doença, principalmente os três primeiros dias. E, a partir do sexto dia de doença, será solicitado sorologia (IgM e IgG).

Alerta

Susane termina fazendo um alerta para a população, para que não subestimem a doença. “Uma pesquisa divulgada no último dia 15, feita pelo Ipec [Inteligência em Pesquisa e Consultoria], com coordenação científica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) mostrou que a pandemia atrapalhou os cuidados dos brasileiros com a dengue. No estudo, foi constatado que, para 31% dos entrevistados, a doença ‘deixou de existir’. Como não existe um tratamento específico para a dengue, todos os pacientes que estão com suspeita devem procurar orientação médica quando apresentarem os primeiros sintomas. É importante essa avaliação médica para avaliação da presença destes sinais e sintomas de alarme, que citei anteriormente. Além disso, evite a automedicação, pois algumas medicações, como o AAS e anti-inflamatórios, são contraindicados na suspeita de dengue.”

Susane Marafon é médica infectologista, formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com residência médica pelo Hospital Universitário Julio Muller (UFMT). Atua no Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) do Instituto Policlínica Pato Branco (IPPB) e no Hospital Santa Pelizzari, em Palmas. É docente pela Unidep e atende em meu consultório, que fica no Alda Instituto de Saúde.
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