Parte 1 – Dimensão e complexidade do problema
Michelangelo Muzell Trezzi
Plantas denominadas infestantes ou espontâneas (que ocorrem espontaneamente nas áreas) apresentam características biológicas que as diferenciam das plantas cultivadas, podendo as impactar positivamente ou negativamente. Plantas exercendo impacto predominantemente negativo à atividade humana, são denominadas “daninhas”. No Brasil estão catalogadas cerca de 1800 espécies consideradas daninhas, porém esse número cai bastante se contabilizarmos as mais disseminadas e com maior potencial de dano.
Exploraremos esse tema em duas partes no Diário do Sudoeste. Na primeira, abordaremos o impacto negativo das plantas daninhas, considerando aspectos evolutivos, econômicos e ambientais, destacando dificuldades de manejo. Na segunda, analisaremos criticamente a evolução das tecnologias usadas nos últimos anos para a resolução desses problemas.
As infestações de plantas daninhas estão presentes em qualquer área, são persistentes em bancos de propágulos no solo, e evoluem quantitativa e qualitativamente ao longo do tempo. O processo de seleção pelas práticas de manejo determina modificações na composição de espécies no banco de propágulos e emergidas no decorrer dos anos. Esse banco possui “memória seletiva”, ou seja, as populações de plantas infestantes mais difíceis de controlar e adaptadas predominam e costumam permanecer mais tempo.
Em uma média mundial, considerando várias culturas e países, o processo de interferência (principalmente competição e alelopatia) de plantas daninhas, em áreas sem adoção de medidas de manejo, é responsável por aproximadamente 47% de perdas de rendimento de cultivos e, nas áreas manejadas essa média cai para 14%. Esse percentual de perdas, mesmo com adoção de medidas, é considerado elevado e ocorre porque as ferramentas de controle não são totalmente efetivas.
No Brasil, os herbicidas, as principais ferramentas no manejo de plantas daninhas, representam 58% do “market-share” de produtos fitossanitários. Ou seja, são mais utilizados do que qualquer outro produto fitossanitário (controle de insetos, moléstias, nematoides, etc.). Como visto, isso não significa sucesso no manejo de plantas daninhas. Ao longo dos anos, as infestações têm se tornado mais abundantes e com predomínio de plantas resistentes e tolerantes a herbicidas. Ou seja, ironicamente, a elevada seleção imposta pelos herbicidas é considerada a principal causa da evolução das populações infestantes, analogamente à seleção de bactérias por antibióticos ministrados ao homem. Ao todo, no Brasil, estão registradas 29 espécies daninhas com populações resistentes a herbicidas. Além disso, nos últimos dez anos, o número de casos envolvendo a resistência múltipla (a mais de um mecanismo de ação) a herbicidas saltou de dois para 17.
A seleção de espécies resistentes e tolerantes tem gerado impactos econômicos e ambientais. Em levantamento efetuado em 2017, comparando áreas com ou sem presença de apenas três espécies daninhas com populações amplamente disseminadas no Brasil (buva, capim-amargoso e azevém), o impacto da resistência foi estimado em R$ 9 bilhões ao ano. Além disso, levantamento feito em 2021 junto a 62 profissionais do agronegócio do Sudoeste do PR e Oeste de SC, revelou que casos de resistência mais complexos (azevém e buva resistente a herbicidas alternativos ao glifosato e leiteiro resistente ao glifosato), que antes infestavam apenas o Norte do RS e o Oeste e Norte do PR, provavelmente estão também nas regiões pesquisadas. Outras espécies com crescentes infestações em nossa região, como a cravorana (Ambrosia spp) e trapoerabas (Commelina spp), demandam aperfeiçoamento dos sistemas de manejo. A existência de infestações mistas de espécies de difícil controle nas áreas exige soluções de manejo mais complexas, com planejamento adequado e informações técnicas específicas, para se obter maior eficiência e menor custo e impacto ambiental.
O impacto ambiental é uma realidade em algumas áreas infestadas com plantas daninhas problemáticas. Em áreas com soluções de manejo mais complexas, agricultores muitas vezes são compelidos a usar o preparo convencional, encerrando um ciclo longo de construção do sistema de plantio direto. Também, muitos incrementam as doses dos herbicidas, e são obrigados a substituir herbicidas que não controlam mais ou que foram retirados do mercado, por outros que causam maior efeito tóxico para os cultivos e/ou que resultam em maior efeito residual no solo, com possibilidade de afetar culturas implantadas em sucessão. No primeiro semestre de 2021, com a estiagem prolongada na nossa região, ficou evidente, em muitas lavouras de trigo, danos causados pelo efeito residual (carry-over) de alguns herbicidas utilizados em culturas antecessoras.
Há necessidade de profunda reflexão sobre as estratégias de manejo de plantas daninhas que predominam atualmente, responsáveis pelas dificuldades crescentes que reduzem o sucesso dos agricultores. Estarão sendo utilizadas estratégias adequadas e de forma integrada para enfrentar a complexidade que o manejo exige? As tecnologias disponibilizadas pela pesquisa são suficientes e têm chegado a técnicos e agricultores para resolver os problemas? As novas tecnologias de cultivares geneticamente modificadas com resistência a herbicidas e novas moléculas herbicidas tem contribuído de forma significativa para minimizar os complexos problemas, com baixo impacto ambiental? Essas questões fundamentais pretendemos explorar na segunda parte desse artigo, no Diário do Sudoeste.
Professor da UTFPR, Campus Pato Branco