Luciane Pires
Ao longo de três décadas de trabalho com desenvolvimento humano, tanto na área da psicologia, quanto na pedagogia uma questão sempre foi muito presente tanto no consultório clínico quanto no espaço escolar: a falta de atenção. Os problemas de desatenção desviam o foco, reduzindo a capacidade de aprender e de estar no agora.
A desatenção pode ser observada num grau menor, como uma mera distração, mas pode chegar a um quadro de maiores consequências, como um distúrbio que interfere na qualidade de vida. Diante disso, pergunto: para onde olha a desatenção? Pois, se o foco não está naquilo que devemos nos concentrar, há algo que está consumindo a capacidade atentiva das crianças.
Nas escolas, são frequentes os relatos dos professores sobre os olhares dos estudantes que, por vezes, “se perdem”, diante das explicações. Os olhares que parecem “atravessar” o professor, direcionados para algo que não está ali em evidência, intriga educadores atuando em variados níveis de ensino.
Sem entrar no mérito da motivação do estudante ou do aspecto didático de quem ensina, apresento uma reflexão sobre o aspecto relacional sistêmico desta criança. Inconscientemente, ela talvez esteja olhando para questões pendentes do seu “eu interior”. Com isso, não há problema de desatenção, mas sim uma mudança de foco para onde a atenção dela olha.
Parafraseando Alicia Fernadez, o ato de aprender exige uma abertura para novas ideias. Entendo que isso revela a necessidade de disponibilidade interna para estar atento para o novo que vem. Quando o aluno não está disponível para o novo, isso significa que ele ainda está olhando para algo do velho que ainda não foi entendido e esta pendência precisa de resolução.
Existem certos movimentos que acontecem na dinâmica familiar regidos por ordens que precisam ser respeitadas para o bom funcionamento do todo. Se alguma “peça” falta ou está fora de lugar, o sistema em desajuste, busca a volta ao equilíbrio. Do ponto de vista das relações sistêmicas, que as constelações familiares trazem no seu escopo filosófico, a desatenção revela algo que está no nível não consciente e precisa ser visto e incluído.
Para explicar melhor essa situação, ilustro com um exemplo que aconteceu com minha família e virou o tema do meu livro “Tenho Um Lugar Para Você”. Ainda como aluna do curso em constelação familiar, levei o tema da desatenção vivida por meu filho na escola. O campo da constelação mostrou o movimento inconsciente dele de olhar para o irmão que morreu cedo.
Desde a revelação da história, já que ele não sabia da existência desse irmão, houve uma mudança completa de comportamento. Ele ficou mais falante, atento e alegre. Uma situação inesperada e inusitada para meu filho que nasceu muitos anos depois da morte desse irmão.
O fato é que isso estava interferindo em sua qualidade de atenção na escola, a ponto de retraimento e negação para participar das atividades em grupo. Olhar desta forma para os problemas de atenção não exclui a possibilidade de uma dificuldade neuroquímica que está presente em tantas crianças, jovens e adultos. É antes, um convite a considerar que existem várias possibilidades diante de um problema.
A abertura para uma visão sistêmica da vida, nos auxilia a ter mais leveza, alegria e consciência quando entendemos nosso lugar no mundo e a necessidade de uma postura, ou seja, uma forma de estar e viver que considera o todo e meu papel para o desenvolvimento harmônico do sistema. A nossa atenção pode estar voltada para questões que envolvem nosso primeiro círculo social que é a família.
Assim, considerar a história dos estudantes e ter uma postura que releva as questões de ordem sistêmica no processo de aprendizagem pode contribuir sobremaneira para ampliarmos o nosso olhar para as relações das pessoas na vida e nos seus processos de aprender e se desenvolver na vida. Este é, sem dúvidas, um caminho humanizado e integral para lidar com o desafio da desatenção na sala de aula.
Psicóloga clínica há 30 anos, com formação em pedagogia. Autora do livro “Tenho Um Lugar Para Você”
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