Ana Maria também quer retomar seu livro autobiográfico. Já tem 400 páginas. O volume terminará em 1970, quando ela, aos 20 anos, interpretou Como Era Gostoso o Meu Francês, o clássico antropofágico de Nelson Pereira dos Santos. Jura que não será “egoico”.
O que ela tem tanto a contar sobre seus 20 anos? “Sou filha de político (Sérgio Magalhães) e irmã de atriz (Helena Velasco). Política e arte sempre fizeram parte de minha vida. Meu pai concorreu com Carlos Lacerda ao governo do Rio, e minha irmã foi atriz de Dulcina de Moraes, além de novelas. Tudo isso era parte da minha vida, dos 4 aos 14 anos.” Trabalho, trabalho e agora sua expectativa é pelo lançamento de Mangueira em Dois Tempos, seu documentário sobre a verde e rosa. O filme, que estreou na quinta, 5, nos cinemas, é sobre a construção do som da escola, a batida. Em inglês, o título é Mangueira in Two Beats. Samba e funk. O filme seleciona seus personagens entre ritmistas, passistas. Segue um deles até a China, onde o cara tem uma churrascaria animada por autêntico carnaval brasileiro.
“Não fui até lá porque seria inviável, muito caro”, explica a atriz, que encontrou um amigo do filho e ele seguiu direitinho suas indicações sobre o quê, e como filmar. O filme também utiliza material de arquivo de grandes desfiles na Sapucaí, adquiridos do acervo da Globo. Ana Maria pagou, e caro, mas vale a pena reviver o desfile de 1998, quando a Mangueira foi campeã ao homenagear Chico Buarque de Holanda. Meu guri! Atriz e diretora, Ana tem o que se pode considerar um interesse diversificado. Biografou Odete Lara como ficção, Lara, fez um documentário sobre o arquiteto Carlos Reidy, A Construção da Utopia. Ela própria uma mulher forte – rebelde por natureza -, não escolheu Odete e Leila por acaso. Foram guerreiras – ambas já partiram – como ela. As mulheres da Mangueira também são fortes.
A escola foi a última a admitir mulheres na bateria – Mangueira tradição. Só isso já daria um filme. A presença dos evangélicos nas comunidades daria outro. Lá atrás, Ana Maria já havia feito Mangueira do Amanhã, com crianças, meninas e meninas, que já eram direcionadas para seus papéis na escola e no mundo. Alguns – muitos? – tombaram para o tráfico. Ela retoma agora esses personagens. Tudo mudou, o funk veio para ficar, as mulheres, os evangélicos.
Ana Maria também mudou. “Fiquei mais madura, não apenas como mulher, mas como cineasta. Talvez o público não perceba, mas a montagem do novo filme é muito elaborada. Fiquei dez meses montando o filme. Dois tempos, uma galeria de personagens no passado e no presente, material de arquivo. Foi tudo muito pensado para incorporar as mudanças. O que não mudou é a alegria dessas pessoas, a sua resiliência diante da adversidade.”
A própria Ana Maria precisou vencer muitas dificuldades. A falta de dinheiro tem sido companheira em quase tudo o que realiza. Nada a faz desistir. “Já teria parado há muito tempo, se fosse desistir.” Por que Bill Clinton no filme, também tocando a bateria? “Achei importante, para destacar o que há de universal na nossa música, na nossa gente.” Ana tem uma relação de afeto muito grande com filmes e personagens. “Pertenço a uma geração que queria mudar o mundo. Isso não mudou. Ainda sonho com um mundo melhor, mais humano.” O lugar da mulher nesse mundo sempre foi uma preocupação. É muito anterior ao #MeToo. Ana Maria viveu, conviveu, trabalhou com os grandes do Cinema Novo. Nelson, Gustavo Dahl, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Leon Hirszman, etc. Você não precisa ser mangueirense para dançar no ritmo – na batida – dela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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