Cristina Vargas e Marcilei Rossi
Nascida em Curitiba, Desiree Salgado é candidata ao Senado pelo PDT, nas eleições deste ano. Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná quando já era concursada do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), onde atuou como técnica e analista do Judiciário.
Tornou-se professora, se especializou em áreas do Direito relacionadas a política, inclusive com pós-doutorado na Universidade Autônoma do México, sobre Autoridades Eleitorais. Em 2021 filiou-se ao PDT e agora, em 2022, colocou seu nome à disposição para ocupar a vaga do Paraná, no Senado.
Em visita ao Diário do Sudoeste, na quarta-feira (31), Desiree Salgado contou sobre sua trajetória de vida, a decisão de disputar uma vaga no Senado, a atuação das mulheres na política, entre outros assuntos.
Diário do Sudoeste – Qual o motivo que a levou a filiar-se ao partido, depois de todo um movimento político na sua vida?
Desiree Salgado – Entrei no Tribunal Regional Eleitoral já no início da minha vida adulta. Eu tinha 19 anos quando ingressei lá. Os anos que passei no TRE não podia me filiar em partidos políticos, porque isso é vedado. Então todos esses anos iniciais onde a maioria das pessoas acaba escolhendo um partido para militar, eu tinha esse impedimento legal de participar. E ao mesmo tempo comecei a trabalhar com eleições, de maneira profissional, nesses anos que fiquei lá. Por oito anos atuei na assessoria de imprensa. Era extraordinário acompanhar as eleições, inclusive visitantes internacionais que vinham conhecer as novidades, que era a urna eletrônica, e traduzir as decisões do tribunal eleitoral para a cidadania, para o eleitorado, fazia esse trabalho com os jornalistas.
Depois que eu saí do TRE, já tinha uma carreira acadêmica sendo construída de maneira bastante intensa. Já fazia o mestrado, iniciei o doutorado, já estava como professora da Universidade Federal do Paraná. Fiz esse pós-doutorado na Universidade Nacional do México, um outro pós-doutorado na Ciência Política da Federal do Paraná, e uma terceira pesquisa de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, em Irvine (EUA), que foi bem durante a pandemia. Frustrou um pouco a ideia que eu tinha de estudar lá, mas ainda consegui tirar algumas coisas.
Depois disso, de também ter tido uma atuação política bastante ampla no movimento estudantil, no movimento de mulheres, e também de criar política para mulheres – que faz várias coisas, entre elas incentivar mulheres a ingressarem no espaço político-eleitoral – o PDT me fez um convite e eu aceitei, em 2021, ingressar finalmente em um partido político e colocar meu nome à disposição do eleitorado.
Faz mais de 20 anos que estudo profissionalmente, de forma acadêmica e política, o pensamento político, as regras eleitorais, a Constituição, e dou aula de Direito Parlamentar também. Faço parte do Instituto de Direito Parlamentar, ou seja, toda essa estrutura de elaboração legislativa, de funcionamento das Casas, de funcionamento das comissões, da dinâmica parlamentar, eu já conheço. Então é como se eu tivesse passado esse tempo todo me preparando para representar o Paraná.
Você trabalhou no TRE, estudou a política como Ciência, não apenas o jogo político. Considera isso um ganho, quando falamos em atuação de campo?
Totalmente, porque eu não dediquei meus estudos apenas ao Direito Eleitoral, Direito Parlamentar, Direito Político. Eu também fui estudar Ciência Política. Dois dos meus três trabalhos pós-doutorais são sobre Ciência Política, não só a parte teórica, a normativa, como deve ser, mas também como é. E, além disso, esses anos de militância nos movimentos sociais para a construção de caminhos para a participação de mulheres. Eu vejo que tudo isso me traz uma série de vantagens para uma construção política partidária agora.
Você fala com bastante força nessa bandeira voltada à mulher. Nisso surgiu um movimento político por e para mulheres. Como ele se insere no contexto atual da política brasileira?
Ele nasce quando me deparei com um problema que o Brasil não só apresenta há muito tempo, como piorou nos últimos anos, que é a pouca participação das mulheres nos espaços de tomada de decisão. Então as mulheres fazem política todo tempo. A gente está nos movimentos sociais, está nas cooperativas, nos conselhos, mas na hora de passar para as instituições democráticas, a gente tem uma série de dificuldades, mas não só nos mandatos eletivos. Isso também acontece no Poder Judiciário, acontece nos órgãos de controle.
Fui estudar por que isso acontecia, e ainda acabou coincidindo com um momento em que as mulheres estavam sofrendo violência política no Brasil de maneira mais intensa, quando tivemos a única presidenta da República, e eu pensei que precisava estudar sobre isso para ver como se poderia evitar que mais mulheres passem por isso.
Então em 2015 nasceu a política por e para mulheres, com três objetivos iniciais, que era estudar os países em que a participação das mulheres era mais intenso, que são todos os países da América, menos Belize. Inclusive o Oriente Médio tem uma participação de mulheres em parlamentos, ministérios, maior do que o nosso, ou seja, a gente é um desastre, a gente puxa os índices da América e do mundo para baixo. O que é inexplicável, se for pensar em uma Constituição que garante a igualdade de gênero.
A gente também pensou em ver quem eram as mulheres que conseguiam ocupar esse espaço, então fizemos o mapeamento das mulheres em secretarias, câmaras municipais, assembleias legislativas, Câmara Federal, Senado, prefeituras, governos estaduais – que foi super rápido, porque tem muito poucas mulheres governadoras – e presidência da República.
Finalmente pensamos em fazer cursos de iniciação a formação política de mulheres, porque eu me deparei com um estudo do mundo corporativo que dizia que mulheres, quando queriam disputar um cargo, elas precisavam preencher todos os requisitos. Então tinha lá um estudo que demonstrava que as empresas abririam vaga para direção de alguma coisa. Dez requisitos. Se a mulher que fazia parte daquela empresa, se ela não tinha os dez requisitos, não se candidatava ao cargo, e os homens, se tivessem quatro ou cinco dos dez requisitos, eles já se apresentavam.
Começamos a pensar que isso poderia se aplicar a política também, que as mulheres muitas vezes deixavam de se apresentar para concorrer a cargos públicos por se acharem menos preparadas que os homens. Então começamos a fazer curso de formação política para mulheres e foi extraordinário. Foram anos incríveis, porque vinha gente do Brasil inteiro para Curitiba fazer o curso com a gente. Mulheres que estão hoje em diversos partidos, de todos os campos ideológicos, e que hoje se apresentam como alternativa ao eleitorado.
Então, isso para mim é muito emocionante. Mesmo eu concorrendo hoje em um partido específico, eu vejo que essas mulheres se incentivaram sim e estão ali participando. Algumas viraram secretárias municipais, enfim, estão ocupando espaço.
O que a gente sentiu depois disso também foi a necessidade de transformar o grupo de pesquisa em um instituto. Hoje ele é independente de mim, se emancipou, o que permite que ele seja mais livre, sem a vinculação com a universidade, e também começamos a fazer encontros de pesquisas, porque não sei se é notável para todo mundo, mas para quem tá na carreira acadêmica muitas vezes a gente tem painéis formados apenas por homens. Como se só homens pudessem tratar de determinados temas. Então o que a gente fez foi colocar várias mulheres ali com as suas pesquisas, mostrando como existem mulheres falando de tudo. E o instituto hoje funciona assim, ele vai atuar nessas quatro frentes e com muito sucesso, porque muitas mulheres estão entrando na política.
Pensando mais na área de atuação, caso eleita para o Senado, como você vê todo esse movimento e fortalecimento para que de fato as candidaturas femininas sejam candidaturas prósperas, e não apenas para cumprir metas?
Temos um primeiro problema, que é um problema de origem. Se a gente pensar no momento em que foram criadas as nossas cotas de candidaturas, veremos que elas não foram feitas de maneira sincera. Em 1995 se implementou a exigência que os partidos políticos levassem 20% das vagas nas eleições proporcionais, vereadoras e deputadas federais e estaduais para mulheres. Mas era assim, até a eleição anterior, o Paraná concorreu a 30 vagas na Câmara Federal, os partidos só podiam oferecer 30 nomes, até então. Quando a gente adota essas cotas de candidaturas em 1995 para valer em 1996, o que temos é que os partidos não precisam apontar apenas 30 nomes, e sim 30 nomes mais 20%. Então são 36 nomes. Esses 20% são as mulheres que já não concorriam, estavam ali só para dizer que estavam, já não era candidaturas competitivas.
Quando mudamos a legislação para a chamada Lei das Eleições, que não era para mudar e muda todo ano, mudamos isso para 30%. Só que em vez dos partidos poderem oferecer 100% das vagas, ou seja, 30 vagas, não era nem mais 36 vagas, era 150% das vagas. Então era 30% para as mulheres, mais podia oferecer 45 nomes para concorrer a 30 vagas. Assim, nunca foi sincera essa política de cotas de candidatura. Ainda mais porque ela não vinha acompanhada de uma destinação de recursos públicos dessas campanhas e nem de reserva de horário eleitoral gratuito.
Eram mulheres que não tinham recursos e não tinham espaço para divulgar as suas candidaturas. Vi um estudo, que não orientei, mas acompanhei, que mostrava que as mulheres recebiam cerca de 10% do horário eleitoral gratuito e 10% dos recursos para a campanha, e elegia-se mais ou menos 10% de mulheres.
Então, o que vejo é que as cotas de candidaturas apenas tiveram alguns aprimoramentos, que aconteceram principalmente pela intervenção do Judiciário, como por exemplo a obrigatoriedade de destinação dos recursos, e a cassação de chapas que tinham candidaturas fictícias de mulheres. Ainda não está em um bom termo, e temos discutido o que alguns países fizeram, que é a garantia de cotas de cadeiras e não de candidaturas. Ou seja, em vez de você apresentar várias opções de candidatos, você vai dizer, “olha, a gente vai eleger 30 cadeiras para o estado do Paraná, 15 serão ocupadas por homens e 15 serão ocupadas por mulheres”. Aí você deve pensar, “mas não tá bom, porque a gente pode votar em um e ele vai ter mais votos que uma mulher e o homem não vai entrar e a mulher sim”. Pois acontece isso no sistema proporcional, volta e meia, e tem gente reclamando que não ocupou uma cadeira tendo tantos mil votos e outra pessoa com menos votos ocupou.
Assim, quando aplicamos a ideia de igualdade no sistema eleitoral, a gente muitas vezes vai encontrar esse tipo de divergência, e não tem nenhum problema. Temos convivido com isso desde 1932, e por que agora seria um problema? Mas imagine que para se conseguir convencer para que isso seja adotado, a gente precisa do voto de um monte de homens que hoje compõe o Congresso Nacional.
Você faz parte de uma minoria de candidatas ao Senado pelo Paraná. É uma forma de ruptura, até mesmo a busca dessa vaga?
Não sei se é uma ruptura, porque não acho que sou tão outsider, por assim dizer. Sou uma pessoa que está dentro da discussão política. Não tenho esse discurso de antipolítica, mas acho que o Paraná ultimamente não tem, talvez desde a sua emancipação, uma representação política que seja plural diversa.
O Paraná tende a ter como representantes pessoas muito parecidas entre si. É só a gente ver hoje o retrato do Senado Federal. Quem está representando o Paraná? Três pessoas que não se diferem, nem em relação ao partido político.
Isso faz com que a política feita pelo Senado para o Paraná tenha apenas uma leitura de mundo, tenha apenas uma visão das coisas, apenas um conjunto de preocupações.
Me parece que para que a gente possa chamar uma política de uma política democrática, uma representação democrática, precisamos que esses grupos que não são minoria em número, mas são minorias em poder, então são grupos minorizados, tenham esse espaço de integração na representação política. E eu me proponho a ocupar esse espaço e não só pelo fato de ter um gênero diferente dessas pessoas que estão lá hoje, por ter ideias diferentes, por ter um caminho diferente, por ter estudos diferentes, por ter pautas diferentes e por ter preparo para ocupar esse espaço.