Em 2016, Ruiz começou o doutorado na Unicamp e, ao mesmo tempo, Noah passou a se sentir diferente: “Quando começou a transição, ele tinha quinze anos. Nessa época, independentemente das questões de gênero, me deparava com a dificuldade de ser mãe de um adolescente, que é uma ruptura muito grande com a relação que tínhamos quando era criança. Os adolescentes são mais difíceis de conversar”, diz a cineasta ao Estadão.
Por três anos, Ruiz capturou depoimentos de Noah. “A primeira conversa que fizemos com a presença da câmera foi bem legal. Ele não só me contou como estava se sentindo e quais eram as dúvidas que tinha, mas também me explicou, bem didaticamente, as questões que envolvem o corpo, a identidade de gênero, a sexualidade, a expressão.”
Na primeira parte de Limiar, Noah esclarece que gênero está diretamente relacionado à percepção que o indivíduo tem de si, do ponto de vista mental, e não está reduzido a um órgão genital. Para isso, o garoto desenha uma pessoa e aponta que a aparência não define um ser humano. “As pessoas confundem muito, ‘ai, você é antifeminista porque você não quer ser uma garota’. É muito ruim isso. Não que eu não queira ser uma garota. Não sou”, disse.
O filme faz uma conexão interessante entre três gerações da família e quais conceitos têm sobre sexualidade. Ruiz entrevista a própria mãe, avó de Noah. “Quando meu filho nos trouxe as questões de gênero, que eram uma novidade para nós, tive uma sensação muito forte de que essas duas pontas – avós e neto – se encontravam, tinham essa conexão como desbravadores de novas formas de se viver. Quando ele passa a se entender como uma pessoa trans e compartilha com a gente suas questões de forma tão aberta, estava nos propondo, de maneira muito íntima e visceral, uma revisão profunda da nossa forma de ver o mundo.”
Por outro lado, Ruiz percebeu que a transição de gênero não é banal. “Como qualquer processo de transformação, exige que a gente deixe algo para trás e abra espaço para o novo. Acho que, por uma questão geracional, para a minha mãe, entender o movimento do Noah foi um pouco mais difícil do que foi para mim, principalmente na questão das alterações no corpo. Mas a base para a superação dessas dificuldades foi sempre o diálogo franco”, diz.
Limiar também traz imagens de três momentos de protestos no Brasil. Ruiz recorda-se de ter participado, ainda criança, nos anos 1980, das Diretas Já. Depois, há dez anos, a diretora esteve na intitulada Marcha das Vadias, pelos direitos das mulheres.
Recentemente, ela capturou imagens de Noah em manifestação contra a homofobia. Os três episódios, apesar de distintos, foram marcados por discursos contra toda forma de violência. Na última parte de Limiar, Noah parece estar mais à vontade com a câmera. “Quando anunciei que estava encerrando as filmagens, justamente quando iria começar a testosterona (tratamento hormonal para a transição de gênero), ele ficou frustrado e me perguntou se eu não ia filmar as transformações pelas quais iria passar com a hormonização”, comenta.
E, orgulhosa da maneira como Limiar aproximou mãe e filho, Ruiz conta: “Um dia, ele comentou que, quando rolam conversas sobre ‘o que seus pais fizeram quando você se assumiu?’, e cada um conta a sua experiência, ele acha muito legal poder dizer: ‘A minha mãe fez um filme’. Decidi fazer esse documentário porque queria entrar na disputa pela ideia de família, de mulher, de sexualidade, de gênero”, conclui.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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