Dois projetos totalmente antagônicos

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla*

O Filme “Oppenheimer”, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros, tem sim levantado sérias questões vitais sobre a existência humana, após o emprego das armas nucleares em Hiroshima e Nagasaki em 1945, Oppenheimer, é um homem multifacetado, extremamente complexo para o seu tempo, foi o escolhido para levar adiante um projeto de morte em massa, ele sempre soube o que estava fazendo, todos os riscos implicados e principalmente as consequências do empreendimento que estava em suas mãos, isso o torna responsável por elevar o mundo pós 1945 a uma nova era, a era atômica. Assistir esse suntuoso Oppenheimer, sem o devido conhecimento da história desse período, pode fazer dele um herói americano a mais, herói forjado na desgraça da morte de centenas de milhares de pessoas em poucos minutos; Oppenheimer será sempre sinônimo de tragédia.

Para contrastar Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), temos a figura do filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993), Jonas viveu nos Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a história não registra nenhum encontro dele com o pai da bomba atômica, mas é certo que ele escreveu sobre isso em seu seminal “Princípio Responsabilidade”, de 1979. Hans Jonas foi um visionário muito além do seu tempo, muito anos antes do uso das armas atômicas ele percebeu o mau uso da técnica, sua família, especialmente sua mãe, foi morta nos campos de concentração nazista. Para Jonas, tanto o nazismo, como as armas nucleares, ambos são o produto de uma técnica refinada, são parentes em grau, gênero e número, projetos levados a cabo por pessoas altamente refinadas, mas sem nenhum senso moral de responsabilidade presente ou futura; Jonas se antecipa em muito.

O tema Oppenheimer, está agora diante de nossos olhos, bem perto de cada um, principalmente na brutal e ignominiosa guerra da Ucrânia, se retrocedermos um pouco mais no tempo, vamos encontrar Chernobyl, em 1986, também em terreno ucraniano, Three Mile Island, em 1979, nos Estados Unidos, isso sendo apenas a ponta de um iceberg macabro que ronda tudo e todos a qualquer hora do dia. São eventos que tem marcado e marcaram para todo o sempre as pessoas envolvidas, sejam elas inocentes ou não. Oppenheimer, foi um divisor de águas, a partir dele ficamos sabendo que existencialmente somos sim apenas grãos de areia diante de uma explosão nuclear, nada nem ninguém consegue sobreviver a esse tipo de arma, mesmo que esteja longe quando do seu emprego; Oppenheimer ao longo dos anos subsequentes se tornou uma pessoa desfigurada pelo mal que produziu.

Hans Jonas, é o oposto de Oppenheimer, no sentido de que promover a vida é muito mais interessante que promover a morte, em Oppenheimer sabemos que os interesses escusos de muitos políticos e cientistas ficaram num patamar muito mais acima das vidas inocentes que seriam mortas algum tempo depois no Japão; Hans Jonas sempre se pergunta o que leva uma pessoa de capacidade mental invejável cometer loucuras como as que Oppenheimer produziu, Jonas também não perdoa Martin Heidegger, seu antigo mestre por ter sido membro do partido nazista por um certo tempo. Hans Jonas sintetiza hoje a voz silenciosa de milhões de seres humanos que não compactuam com a proliferação de armas de destruição em massa; apenas pessoas tresloucadas e fora de si podem apostar numa loucura nuclear, que a partir do seu uso surgirá uma nova civilização.

Oppenheimer pode até ter se arrependido mais tarde, mas aí já era tarde para isso, foi escorraçado pelos seus comparsas que viram nele um potencial comunista, fazendo-se agora de santo do pau oco. Os políticos do tempo de Oppenheimer, como a meia dúzia dos de agora, que estão envoltos na guerra da Ucrânia deram e estão simplesmente dando as costas para os alertas tenebrosos sobre o uso das armas nucleares. Com Hans Jonas, também não é muito diferente, ele continua como outros tantos profetas, uma voz que soa forte no silencioso deserto da técnica, Jonas apenas anteviu com maestria o imenso poder da técnica do seu tempo, com ela o melhor e o pior aconteceram e podem vir a acontecer a qualquer momento; Oppenheimer tornou possível uma utopia destruidora, a muito  buscada pelo ser humano, já a utopia de Hans Jonas continua sua trilha por outras vias.

Bioeticamente, Julius Robert Oppenheimer e Hans Jonas são modelos de seres humanos, ambos com inteligências acima da média em campos bem opostos, assim como os objetivos de um e de outro foram completamente divergentes, até hoje passados tantos anos da morte de ambos, despertam paixões e críticas, Oppenheimer por compactuar com um projeto de morte em massa, Hans Jonas por ser acusado erroneamente de ser uma tecnofóbico, uma injustiça que paira em sua obra gigantesca; Jonas fez com maestria um percurso pelo nebuloso mundo da técnica, mundo esse que não admite que lhe apontem o dedo da crítica. A técnica atual não está isenta de perigos, o que parece não fazer parte da reflexão da maior parte da sociedade, ela injeta nas pessoas uma cegueira tal, que qualquer um que vá contra essa tendência seja imediatamente taxado de atrasado ou algo parecido. Pelo sim, pelo não, Oppenheimer e Hans Jonas irão sempre duelar pelo qual modelo de vida devemos optar, o primeiro já sabemos onde leva, já o segundo, é um alerta, um aviso.

 

*Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

 

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