Os áudios foram gravados, originalmente, para uma outra empreitada também biográfica. Um filme que contará a vida de Roberto começará a ser rodado, com a segurança sanitária devida, no início de 2022. Foi para a criação do roteiro, do qual participou Nelson Motta, que as lembranças foram registradas, as mesmas que serão usadas para o livro. A direção do filme será de Breno Silveira, autor de Dois Filhos de Francisco, a cinebiografia brasileira mais vista na história, de 2005, com mais de 5 milhões de espectadores. A de Roberto, se conduzida com a mesma habilidade que Breno mostra em seus filmes e séries para lidar com as costuras da “ficção biográfica”, licenças poéticas que não violentam os fatos, tem argumento e alcance para ir além da história do pai de Zezé Di Camargo & Luciano. “Há uma frase, acho que de Woody Allen, de que gosto muito: ‘A vida não faz sentido, mas o roteiro tem de fazer’. Se não trair o espírito do seu personagem, de seu herói, se não inventar nada que não abale as verdades, é importante usar as licenças em um filme para criarmos a dramaturgia”, diz Breno, não especificamente sobre o filme de Roberto, mas sobre cinebiografias de maneira geral.
O filme e o livro de Roberto podem fazer reparações que o cantor considerar necessárias. “Ele não tem nada contra contar o acidente na linha de trem que o fez perder a perna, mas quer que isso seja contado de forma verdadeira”, diz uma das raras fontes em contato com Roberto mesmo durante a pandemia. Roberto, então, deve trazer esse assunto à tona. Sobre o amigo das origens de carreira, Tim Maia, também houve polêmicas, mas nada garante que elas serão trazidas de volta. O filme sobre Tim, de 2014, dirigido por Mauro Lima, mostrou Roberto humilhando o colega quando Tim ainda não era conhecido. A Globo fez um minidoc para dar a versão do cantor. Não houve humilhação, segundo alguns depoimentos.
A relação da crítica musical com Roberto, e não há vice-versa nesse caso, acaba de ser estudada no ótimo livro Querem Acabar Comigo, de Tito Guedes (leia mais abaixo). Mesmo não aprofundando assuntos que valeriam mergulhos maiores, Tito abre discussões e insights muito curiosos sobre o tratamento dispensado a Roberto durante o correr das décadas. Jornalistas começaram e terminaram suas carreiras falando de Roberto, e Roberto ficou. Ele foi chamado de cafona e alienado em meados dos anos 1960, quando uma ação de publicidade da TV Record polarizou a MPB e a Jovem Guarda de forma a atrair espectadores para os programas que exibia representando esses dois movimentos; fez uma conversão bem sucedida do iê-iê-iê para o romantismo dos 60 para os 70; voltou a ser duramente atacado pela imprensa nos anos 80, que o chamava agora de brega e repetitivo, e seguiu pelos 90 sem mudar um microtom daquilo que queria cantar. “Se eu tivesse 18 ou 19 anos, faria a mesma música que faço hoje”, disse na última terça (13), em entrevista aos jornais.
A crítica, então, entra em discussão a partir da análise de Tito, que expõe o quanto pode haver de preconceito e sectarismo social no conteúdo de alguns analistas de redação que afastavam a chamada “música de empregada” daquilo que consideravam “boa música”. Por que, afinal, Maria Bethânia faz Roberto Carlos ser aceito ao dedicar um CD à sua obra e Waldick Soriano, ao fazer o mesmo, não? Tito não vai tão fundo, mas faz pensar. Assim como todos os aparelhos ocupados por especializações legitimadas em universidades, uma barragem social histórica, a crítica musical, e o jornalismo como um todo, sofre de exclusivismos e monopólios estéticos por não ter representantes socialmente originários abaixo da linha econômica e racial da classe que consegue se diplomar. “A crítica demorou anos para reconhecer o Roberto compositor”, diz Nelson Motta. “Isso até que ele acumulou mais standard do que Chico, Gil, Caetano e Milton Nascimento juntos. Ignorá-lo ficou impossível.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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