Para a analista peruana Alexandra Ames, a alta polarização e o fato de a informação mais rápida chegar pelas redes sociais propiciam a aceitação do discurso de irregularidades e favorecem a instabilidade política. A seguir, trechos da entrevista concedida por Ames ao Estadão.
Como está o cenário da disputa?
É quase certo que Pedro Castillo seja eleito, mas o problema é que alguns grupos ao redor de Keiko tentam impugnar atas de votação e isso poderia tirar votos de Castillo. Como a disputa está muito apertada, é possível que, com isso, Keiko consiga ficar em primeiro. É muito difícil, mas aflora a sensação de incerteza. Não temos muitas informações e as que temos chegam muito mais rápidas pelas redes sociais do que as notícias em meios tradicionais. Por isso, não temos como saber o que é fake news, por exemplo.
Como a senhora interpreta esse discurso de não reconhecer o resultado?
É muito irresponsável uma organização política usar o ânimo dos cidadãos com a palavra “fraude”. Keiko tem dado a entender que respeita as instituições e diz que são os porta-vozes do partido Peru Livre, de Castillo, que não souberam respeitar o voto do fujimorismo. Mas as pessoas ficam confusas, porque o processo de recontagem de atas é complexo e o cidadão comum não sabe exatamente como funciona. Por isso, estamos mais vulneráveis a acreditar nas hashtags do que nos meios de comunicação.
Do lado de Castillo já houve essa mesma afirmação?
Tenho a sensação de que se fosse o contrário (Keiko na frente) aconteceria a mesma coisa. Na verdade, dias antes das eleições, os dois lados falavam em possível fraude eleitoral. No domingo à noite, com os primeiros resultados, mostrando Keiko em primeiro lugar, os simpatizantes de Castillo começaram a se manifestar dizendo que havia fraude. Depois, com a virada e Castillo na frente, simpatizantes de Keiko começaram a gritar fraude. É muito preocupante a falta de maturidade política da sociedade e dos partidos em não querer reconhecer resultados. Assim a democracia não funciona.
Como isso impacta o futuro político de um país que vem de anos de crise?
É muito preocupante e perigoso para a estabilidade política e democrática do país. Além disso, não é apenas a insatisfação da metade da população sem conformidade com o presidente eleito que preocupa, mas temos um Parlamento muito rachado que tem as ferramentas para tirar o presidente do poder a qualquer momento. O risco agora não é apenas o presidente que fica por tempo indeterminado no poder, mas que o presidente não termine seu mandato. O Congresso tem as ferramentas necessárias para o equilíbrio de poder. Se usa de forma tóxica para alterar o funcionamento correto da democracia, isso mostra um autoritarismo que pode desestabilizar o país.
Como está a reação popular?
Tivemos manifestações cidadãs, não massivas, mas suficientes para identificar que existe uma inconformidade com o que está acontecendo. Não se identificou nada violento até agora. No entanto, como o clima está muito polarizado, se você não apoia um dos lados não é alguém que ama o Peru e acaba sendo insultado. Esse nível de polarização opaca a possibilidade de aparecerem lideranças de centro que podem chamar à tranquilidade, pedir calma. Os líderes políticos estão de um lado ou de outro. E o que mais precisamos agora é de equilíbrio.
Os grupos de centro que apoiaram o fujimorismo nessa eleição não podem ser essas vozes?
Eles seriam as vozes importantes que podem chamar à sensatez, mas estão ausentes neste momento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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