A primeira leva do livro sobre o conflito no semiárido baiano teve mil exemplares publicados pela editora Laemmert & Cia, bancados pelo próprio autor. A primeira edição da obra sofreu cerca de oitenta pequenas correções do próprio punho de Euclides. Nos últimos anos as aparições dessa joia da literatura e do jornalismo brasileiros no mercado de livros tornaram-se cada vez mais raras.
Como o Estadão informou no dia 28, o exemplar colocado em leilão ainda possui a capa original da brochura e foi acondicionado num estojo. O livro que teve lance mínimo de R$ 1,2 mil já havia atingido R$ 22 mil na última sexta-feira. Ao longo do sábado, as ofertas dispararam. Foram mais de 80 lances até o leiloeiro bater o martelo com o novo recorde de um livro no País. A livraria Letra Viva, do Rio, que realizou o leilão, não divulgou o nome do vencedor, que é de fora do Estado.
Geralmente, os livros mais disputados em leilões são trabalhos com pranchas e ilustrações de artistas. É ilustrativo que o recorde tenha vindo de uma obra de literatura brasileira. E ainda mais de um autor que, nos últimos anos, entrou na roda de discussões e na berlinda.
Homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2019, Euclides da Cunha teve a obra questionada pelas visões preconceituosas de época sobre o sertanejo e o brasileiro. O texto é composto por teorias deterministas e ultrapassadas, mas destaca a afirmação de que o sertanejo é “antes de tudo um forte”. As contradições e a força da narrativa do massacre do arraial de Canudos pelo Exército e a atualidade da temática do interior tornam complexa a análise do legado do escritor.
Na festa literária de Paraty o livro de Euclides da Cunha foi ponto de partida para debates intensos sobre a realidade brasileira, como o impacto da presença de tropa militar em conflitos sociais, as questões indígenas e de meio ambiente e a alteridade das comunidades tradicionais. A denúncia de crimes de guerra no livro perdura.
O livro Os sertões parece resistir por marcar justamente uma mudança no olhar da elite intelectual em relação ao País. É sobretudo a partir de Euclides que o interior brasileiro vai ser o foco do debate social e cultural. Livro-reportagem por excelência, a obra influenciou gerações do jornalismo e da literatura, como a do regionalismo nordestino dos anos 1930 e do regionalismo universal que teve seu ápice com o mineiro Guimarães Rosa, autor de Sagarana e Grande Sertão: Veredas.
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