Esse cenário apertado era esperado?
No meio rural, sim. Mas dentro das cidades, a base mais volumosa de Keiko Fujimori, em Lima, nas regiões onde há um maior dinamismo econômico, nem tanto. Keiko, sendo filha de Alberto Fujimori, tinha muita rejeição. Aliás, o problema do Peru é que o país não tem Senado, só o Congresso e o presidente. E o Congresso, historicamente, sempre foi muito heterogêneo. Desde Fujimori, nunca conseguiu constituir maioria e oferecer governabilidade.
Por que o desempenho dela foi surpreendente?
A partir do segundo turno, Keiko conseguiu concentrar o apoio dos comerciantes, da indústria, até mesmo de grupos ligados aos EUA. O cenário que ela promete é manter um dinamismo econômico e, ao mesmo tempo, diz que quer fazer uma espécie de democracia com ditadura. Ou seja, uma linha-dura do neoliberalismo. Mas a dificuldade é conseguir governabilidade e isso só poderia ser alcançado com maioria no Congresso – e nenhum dos dois candidatos terá essa condição.
Então já existe essa herança, independentemente do resultado?
Sim, tanto é que os últimos presidentes foram depostos. Todos por corrupção. Sem maioria no Congresso, a única maneira de conseguir governabilidade é pela corrupção. Keiko traz toda uma herança do pai, pois ele, literalmente, cansado dessa dinâmica, fechou o Congresso, 30 anos atrás, e governou por decreto, de forma autoritária. Claro que ele também ganhou notoriedade por ter acabado com Sendero Luminoso.
Esta foi uma eleição de polarizações?
São dois discursos que estão frente a frente. De um lado, Pedro Castillo prometendo extinguir quase que por decreto a miséria. Por outro, Keiko prometendo manter os preceitos neoliberais, nem que seja usando a mão dura. Alcançamos esses dois extremos. Temos um candidato de extrema esquerda e uma candidata que não chega a ser extrema direita, mas é apoiada por grupos extremistas, incluindo neofascistas, no estilo dos apoiadores mais radicais de Jair Bolsonaro no Brasil. A eleição peruana é um termômetro para a América Latina.
Como essa apuração apertada afeta esse cenário?
O livro Como as Democracias Morrem, cujos autores começam seu estudo com a eleição de Donald Trump, afirma que o primeiro passo para você desestabilizar uma democracia é não reconhecer o resultado das eleições. Isso sugere uma instabilidade democrática e, quanto menor a vantagem de um candidato sobre o outro, maior a instabilidade. Talvez esse seja o caminho de Keiko, se perder, de não aceitar o resultado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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