O outro ponto é que a volta antecipada da seleção é uma ameaça ao apoio que a modalidade vem buscando para tentar se aproximar da igualdade de reconhecimento e da estrutura do futebol masculino.
A participação brasileira nesta edição dos Jogos até trouxe marcas interessantes. Aos 35 anos, a camisa 10 alagoana, por exemplo, tornou-se a primeira mulher a fazer gols em cinco edições olímpicas. Veterana do elenco, Formiga, de 43 anos, foi ainda mais longe. Esteve presente nas sete Jogos com o Brasil. A primeira delas, em Atlanta-1996. No entanto, a ausência da equipe na briga por uma medalha no Japão acabou tirando o brilho de um encerramento à sua altura. Formiga e Marta são há ciclos a cara desse time brasileiro. Não serão mais.
A campanha das meninas em Tóquio teve um começo animador e com direito a goleada de 5 a 0. Com sete pontos em três partidas, a classificação na fase de grupos veio dentro do esperado. Mas no meio do caminho, tinha o Canadá. Diante do desfecho inesperado, resta agora à premiada técnica sueca Pia Sundhage ter força suficiente para bancar uma reestruturação no futebol da seleção a fim de colocar o Brasil, de fato, entre as potências do futebol feminino, lugar que já ocupou em passado recente.
Contratada em julho de 2019, a expectativa em cima do seu trabalho era alta para Tóquio. O Brasil não tem medalha de ouro no futebol feminino. Consistia em aproveitar o ato final da carreira de Marta e sua geração para buscar, senão esse ouro, ao menos um lugar no pódio. Mas neste primeiro teste de fogo, a treinadora sueca fracassou em sua missão.
Desde sua chegada, a preocupação da comandante foi livrar o time da “Martadependência”, característica que marcou a trajetória das meninas do futebol desde que a camisa 10 passou a se destacar internacionalmente. “O Brasil é muito mais do que a Marta”, afirmou Pia, mostrando que uma equipe vencedora não pode depender apenas de uma estrela.
Outra preocupação que a treinadora pretende comprar é quanto à criação de uma liga mais forte de futebol no Brasil. “Isso é fundamental para a formação de mais jogadoras de talento. E o Brasil tem muita gente boa”, disse a técnica. Há ainda uma terceira situação no momento: a bagunça que está a CBF, com presidente afastado por acusação de assédio moral e sexual, troca de comando e pedido da justiça para anular a eleição passada. Pia foi escolhida pelo presidente Rogério Caboclo, que não ocupa mais o cargo.
CICLO DE PRATA – A partir de 2004, quando veio a primeira medalha de prata para o futebol feminino, a obsessão pelo ouro passou a pesar nos ombros das meninas. Era o despertar de uma geração que tinha, além de Marta, também Pretinha e Cristiane. “Era uma época de muita dificuldade, onde a superação contou muito. Muitas vezes nem material esportivo nós tínhamos. Tinha até que emprestar a chuteira para outra poder atuar”, lembrou Cristiane, uma das principais atletas da sua geração.
O ouro no Pan de 2007, além do vice na Copa do Mundo do mesmo ano, reforçaram a sensação de que o país estava se tornando uma potência no futebol feminino. Mas como em Atenas-2004 o Brasil falhou em seu ato final e também teve de se contentar com o segundo lugar nos Jogos de Pequim quatro anos mais tarde, a modalidade não conseguiu o apoio que precisava, nem na CBF nem no País.
FIASCO EM LONDRES E NO RIO – A soberania de Marta como melhor do mundo foi um contraste no que diz respeito à expectativa do Brasil em Olimpíadas. Enquanto a camisa 10 brilhava, o time não vencia nada. Em Londres, a seleção brasileira feminina fez a sua pior campanha, caiu nas quartas de final também e não chegou sequer a brigar pelo pódio, a exemplo desta edição.
Quatro anos mais tarde, jogando diante de sua torcida, no Rio, o Brasil até entrou na briga por medalhas, mas acabou olhando o pódio de longe. A pressão de ter a melhor jogadora do mundo e não conseguir um título de expressão para a seleção passou a pesar. Pior, o futebol masculino, liderado por Neymar, quebrou a sequência de fracassos e festejou seu primeiro ouro olímpico.
Em 2019, na Copa do Mundo realizada na França, Marta chegou a jogar a toalha e culpou a falta de apoio da CBF para que o futebol feminino emplacasse, de fato. Após a eliminação do Brasil nas oitavas de final, o tom foi de desabafo. “Temos de lutar pelos nossos direitos. É muita falta de estrutura. Temos de estar sempre lutando para provar que somos capazes. O que peço para essas meninas é que corram mais e estejam sempre prontas. É melhor que chorem no começo para sorrir no fim”.
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