Em 2010, 6.203 pessoas moravam em assentamentos precários (22% da população na época) na cidade, segundo o Projeto de Avaliação de Impactos Cumulativos, estudo técnico que subsidia ações do Ministério Público de São Paulo em Ilhabela. Em 2020, o número saltou 95% e chegou a 12,1 mil pessoas ou perto de um terço dos habitantes da ilha.
Nesse período, a população local cresceu 26%, passando de 28.196 habitantes para 35.591, conforme o IBGE. Já o número de moradias regulares, inscritas no cadastro municipal, ficou praticamente estável, em 14,1 mil domicílios, segundo dados da prefeitura.
Com a alta do desemprego e o déficit de moradias, barracos de madeira avançam pelas encostas de morros. Estruturas precárias surgem em meio ao verde da ilha – área de preservação da Mata Atlântica com 360 cachoeiras e 36 praias -, criando núcleos com esgoto a céu aberto.
Diferentemente do caso de Domingas, muitas ocupações são recentes. Em um desses barracos, no ponto mais alto do Morro dos Mineiros, a doméstica Maria (nome fictício), de 39 anos, e os dois filhos – de 14 e 6 anos – vivem o temor de serem despejados.
Em julho, ela foi abordada por policiais ambientais, que falaram sobre a situação irregular do imóvel. A mulher conta que soube que o dono anterior foi multado pelo corte do mato para construir o barraco e intimado a deixar o local. Ele não pagou a multa e passou o barraco adiante. Maria afirma que desconhecia a situação quando seu tio comprou a tapera para ela.
Maria morava em casa alugada, em Caraguatatuba, mas teve de entregar o imóvel após o companheiro ser preso no fim de 2017. A mulher e os filhos foram morar de favor na casa do tio, no Buraco do Morcego, outra área de ocupação.
“Meu tio ajudou a comprar o barraco e, aos poucos, estamos fazendo as paredes de construção. É difícil, porque não pode subir material aqui. Puxamos a luz, mas ainda não tem água.”
Sem emprego fixo, Maria trabalha como diarista e espera ser incluída no projeto de regularização fundiária municipal. “Não gosto de ficar falando porque saio para trabalhar e meus filhos ficam sozinhos. O medo é de alguém tirar a gente”, conta.
Já Domingas foi a primeira a se instalar no Cantagalo e virou líder de sua comunidade na luta pela regularização do local. Ela conta que, ao chegar à ilha, improvisou como moradia um barraco de lona e buscava sobras de alimentos em feiras livres. Após trabalhar anos como faxineira e vendendo salgados como ambulante, conseguiu construir sua casa de alvenaria, mas ainda não tem a escritura. A área hoje reúne quase cem famílias. Só agora melhorias começaram a chegar.
“Demorou, mas uma parte do morro já tem rua aberta, água encanada e energia elétrica, um presente de Deus. Ainda espero a água, pois a caixa fica na parte mais baixa e não sobe até aqui. Mas estamos lutando e cada avanço é uma vitória. Também espero a documentação e tenho fé que agora sai.”
Déficit habitacional
A maior parte do arquipélago, 85%, está coberta pela Mata Atlântica e incluída no Parque Estadual de Ilhabela, com 27 mil hectares. Em 2013, o déficit era de 644 novas habitações, mas havia cerca de 4 mil moradias à espera de regularização, segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social. A prefeitura não informou o déficit atual.
Para o vereador Raul Gonçalves Cordeiro (PSD), o Raul da Habitação, a topografia dificulta a fiscalização. Ele conta que, no Morro da Irene, a mata encobre construções irregulares, mas é possível ver pontos de luz sob o arvoredo à noite. “A cada semana tem novos barracos.”
O engenheiro Ulysses Moreira Neto, que trabalha com regularização fundiária no litoral norte, afirma faltar à Ilhabela um programa para reassentamento de famílias em áreas de risco. “As ocupações só podem ser prevenidas com política adequada de contenção, acompanhada de plano de regularização e de recolocação.”
Outras obras já se espalham pelas encostas do Morro da Irene, algumas perto de uma cachoeira. Relatório da prefeitura enviado no dia 2 à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) aponta como grave problema o lançamento de esgoto in natura no Morro dos Mineiros. O secretário municipal do Meio Ambiente, Xico Graziano, afirma que isso afeta cachoeiras e praias – trazendo risco para a biodiversidade, para os moradores e para os turistas. Recentemente, segundo ele, a Sabesp começou a instalar 500 ligações de esgoto em bairros como Reino, Armação e Costa Bela.
Ambiente
A ocupação irregular também provoca o encurtamento de praias. Segundo o secretário, a faixa de areia está estreitando em alguns pontos, principalmente ao norte do município, por fatores que incluem a erosão decorrente da perda de vegetação.
Há riscos, ainda, para a fauna – são 130 espécies de mamíferos e 800 de aves, além de répteis e insetos que habitam as matas do parque estadual -, para os manguezais e para a restinga. O mais ameaçado de extinção é o cururuá, espécie de roedor arborícola que só existe em Ilhabela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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