Wellen Candido Lopes
Fui convidada sentar-me à mesa. Estavam todos a postos. Confesso que nem sabia o que dizer, no início. Um velho conhecido estava à cabeceira da mesa e já me olhou com certa repreensão. Fiquei um tanto constrangida, pois o conhecia desde os meus 18 anos nas aulas de filosofia do direito, mas em virtude da imaturidade intelectual, afastei-me dele. Conversar com os colegas da faculdade era bem mais fácil do que dialogar com ele, naquela época. Duas décadas se passaram e nos reencontramos, sentados na mesma mesa.
Tentando “aliviar” meu lado, puxei assunto e contei sobre os fatos. Estava ali por conta de um artigo do CPC/2015. Expliquei sobre o conteúdo do texto (semântica) e sobre o questionamento de sua aplicação. Fui bem enfática e disse que gostaria de saber sobre a interpretação do art. 86, “caput”, pois não o compreendia da forma como vem sendo aplicado pela maioria dos tribunais brasileiros.
Com sorriso largo, disse: Kelsen, ajude-me! Pacientemente ele me respondeu dizendo que não havia um método garantidor que fosse capaz de corrigir ou sanar, por completo, os problemas oriundos de um ato de interpretação. E depois me pediu calma, dizendo logo em seguida que os demais sentados à mesa também estudavam sobre o assunto.
Gadamer já foi logo me explicando que é extremamente difícil o intérprete afastar-se de sua subjetividade, até porque somos dotados de pré-juízos de valores. A historicidade e a faticidade são indissociáveis do ato de interpretar. E reforçou dizendo que os erros de interpretação podem acontecer quando o intérprete se apropria de uma subjetividade, tornando-a ilimitada. A interpretação, portanto, precisa ser autêntica e muito próxima do que o texto pretende dizer.
Logo em seguida, olho para Dworkin e pergunto se estou no caminho certo. “A busca pela resposta correta, você deverá indagá-la em sua grande jornada”, respondeu-me. E com ares de contentamento me incentivou a não desistir, muito embora parecesse difícil a caminhada. Terminou dizendo que eu deveria associar-me à Streck, visto que ele conhecia a todos eles, há muito tempo.
Streck é brasileiro. Realmente fica mais fácil compreendê-lo. Durante toda a conversa ficou somente ouvindo, mas quando olho em sua direção, ele me diz: “Olha, o direito não é o que os tribunais dizem”. Despedi-me de todos, e retirei-me da sala com esta frase em meu pensamento. Fiquei bastante reflexiva, aliás, o que ele pretendia me dizer?
A partir deste encontro, resolvi ir mais a fundo… A hermenêutica jurídica torna-se uma grande aliada em busca da resposta correta do artigo 86, “caput”. A grande celeuma gira em torno da possibilidade ou não do rateio dos honorários advocatícios nos casos de sucumbência recíproca (quando ambas as partes são vencedoras e vencidas ao mesmo tempo). O revogado art. 21 do CPC/1973 possibilitava a distribuição proporcional das despesas e dos honorários nestes casos, cabendo até mesmo à compensação. Isto era possível porque havia uma controvérsia quanto ao entendimento da titularidade dos honorários advocatícios.
Com a edição do CPC/2015, os honorários pertencem ao advogado, sendo vedada a compensação (art. 85, § 14). Atualmente, os honorários advocatícios não são mais compensados, mas são rateados junto com as despesas. Penso que o art. 86, “caput” não recepcionou o rateio dos honorários advocatícios, mas apenas das despesas (art. 84) e honorários advocatícios não são despesas.
A minha jornada começa neste sentido e acredito que minha voz isolada não será o suficiente para “esclarecer” tal questionamento de tamanha relevância. Honorários são alimentos e distribui-los a metade é deveras prejuízo. Minha voz somada a de tantos outros causídicos será o início desta jornada em busca da resposta correta.
Advogada e idealizadora da Campanha Honorários 100%. Autora do livro “Honorários 100% – A integralidade dos honorários advocatícios na sucumbência recíproca”
Comentários estão fechados.