Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
Não é uma das tarefas mais simples como pensam alguns, mas ao mesmo tempo é também uma aventura maravilhosa, cheia de surpresas, sobressaltos, perplexidades, muitos caminhos perante a realidade humana, frágil, carregada de expectativas, quando abrimos essa coleção de livros e perseveramos na sua leitura até o final vemos diante de nossos olhos uma sociedade em mudança, onde se fazem presentes os valores, as crenças, vida e morte, impérios nascendo e outros definhando; enfim uma complexidade multifacetada de um mundo em profunda ebulição, a caminhada humana em busca de algo que lhe dê sentido. Voltar mais de dois mil anos ou mais para o passado pode ser entediante para a maioria das pessoas de hoje, tão acostumadas e mergulhadas naquilo que é instantâneo; a rotina maçante do momento atual é muito pobre em suas raízes, fraca na fé.
Não podemos ser assim tão ingênuos, ou seja, quem se dispõe em ler toda a Bíblia de ponta a ponta perceberá com o tempo que ali todos os fatos narrados e experienciados não se deram num passe de mágica, é uma profunda enganação a nós mesmos quando em nossos achismos deduzimos que os acontecimentos ali narrados surgiram de modo despropositados. Queiramos ou não, a coleção de livros sagrados que nos chegou até hoje, quando devidamente lidos, analisados e pensados coerentemente antecipam em muito diversas situações que hoje guardadas as devidas proporções nos assolam; o mundo dos homens e mulheres da Bíblia é baseado na fé naquilo que não se vê humanamente; bem diferente é o caminho da grande maioria dos homens e mulheres contemporâneos cuja fé se alicerça naquilo que clicam, tocam; objetos reluzentes que aparentemente lhes dão paz.
Absolutamente ninguém está proibido de ter acesso à Bíblia, esse conjunto de livros não é tão misterioso como muitos querem que ele seja, existem sim livros cuja leitura é um pouco difícil de ser entendida, mas isso não é desculpa, pois existem estudos muito avançados que podem elucidar as passagens mais obscuras. Crentes e não crentes, ateus e à toa ao longo dos séculos se debruçaram sobre ela, buscaram respostas para as grandes questões que afligem a humanidade, muitos foram por ela totalmente transformados, para o bem ou para o mal, enquanto outros não viram nela absolutamente nada demais, ficando mornos em sua caminhada; a Bíblia não é prisioneira desse ou daquele sistema, não está confinada a um dirigente, um grupo político, um governo em especial, sua existência não está atrelada à dominação, é sim material de grande ajuda na busca por algo bem maior.
A culminância de todos os livros sagrados contidos na Bíblia se dá em Jesus Cristo, muitos personagens antes do Salvador, prepararam sua chegada, homens, mulheres, crianças, reis, sacerdotes, pessoas do povo israelita, foram cada qual a seu modo peculiar de viver e sentir o sagrado, grandes responsáveis por um sem número de acontecimentos que foram se manifestando ao longo da história, abrindo caminho para Àquele que um dia transformaria o mundo para todo o sempre. O sujeito contemporâneo não faz ideia de como num tempo onde tudo era completamente diferente do que se tem hoje, uma mensagem pudesse perdurar e ecoar no tempo, isso nos lembra muito as palavras sábias de Gamaliel quando disse a todo o sinédrio: “Pois, se o seu intento ou sua obra provem dos homens, destruir-se-á por si mesma; se vem de Deus, porém não podereis destruí-los” (At 2, 38).
O Brasil atual vive uma convulsão em todos os aspectos, inclusive no setor religioso, não raro vemos manifestações religiosas recheadas de mensagens bíblicas, gritos estridentes, berros ecoando para todos os lados, muitas mensagens inclusive carregadas de mensagens violentas, algo totalmente contra aquilo que os grandes mensageiros da história bíblica fizeram; uma clara adulteração da palavra Divina, isto é, forçar a Bíblia dizer aquilo que ela nunca se propôs a fazer. A alma dos brasileiros encontra-se inflamada, até mesmo doente em muitos aspectos, faz de um objeto que está totalmente direcionada para a edificação da sociedade, um objeto para dividir, brigar, destruir aquilo que levamos séculos para conquistar. O Brasil, nesse emaranhado de conflitos não vai se recuperar se continuar a ver em tudo o apocalipse, puros e os impuros, as maldades, os bons e os maus.
Bioeticamente, a Palavra de Deus em todos os rincões do Planeta, tem muito a nos ensinar, especialmente nesses dias difíceis pelos quais todos passam de um modo ou de outro, nossos micros comportamentos precisam de muitos ajustes, principalmente quando nos apropriamos dos livros sagrados para benefício próprio, quando usamos e abusamos em demasia o nome de Deus, quando usamos uma linguagem e um autoritarismo exacerbado em relação ao diferente. Os grandes nomes da epopeia bíblica, enfrentaram todos os tipos de situações que a maioria hoje não conseguiria nem a primeira parte mais básica. Nossas comodidades atuais podem em certas situações nos afastar em muito da mensagem divina, a Palavra de Deus perdeu espaço para outras tantas palavras nos últimos tempos, ao invés da misericórdia, optou-se pela guerra, contrariamente à compaixão adotou-se acabar com o outro, ao invés de pão são distribuídas serpentes, apesar de tudo o pequeno resto vive, supera todas as suas dificuldades, vive e se prolonga.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR