A frase consta logo no início de Sem Querer Querendo, autobiografia lançada em 2006 e que só agora ganha versão em português, lançada pela editora Estética Torta. Com um texto bem-humorado, mas temperado por algumas alfinetadas em certas personalidades, o livro, cujo título repete um de seus mais conhecidos bordões, detalha a evolução do jovem boxeador frustrado (a baixa estatura o convenceu a abandonar o esporte), que abandonou o curso de engenharia para se tornar um ícone da comédia infantil latino-americana.
Ao longo da vida, Bolaños, que morreu em 2014, revelou uma enorme capacidade de se reinventar quando necessário – resistência herdada da mãe. Segundo de três filhos de um pintor e ilustrador e de uma secretária bilíngue, ele sonhava jogar futebol e lutar boxe, mas acabou entrando em uma faculdade de Engenharia Mecânica, logo abandonada por considerar entediante.
A grande virada de sua vida começou quando se interessou pelo anúncio de emprego como aprendiz de produtor em uma empresa de publicidade. Ao chegar lá, viu que havia cerca de 60 candidatos à vaga que ambicionava, mas, ao lado, havia outra fila, com apenas cinco pessoas, aspirantes ao cargo de redator aprendiz. “Meu futuro profissional foi definido pela diferença de tempo que eu deveria passar em uma fila”, diverte-se ele, no livro.
Aos 22 anos, portanto, Bolaños começou a escrever freneticamente roteiros para programas de rádio, televisão e cinema – até ensaiou uma primeira carreira como ator no final dos anos 1950. Foi nessa época que ganhou o apelido de Chespirito, forma elogiosa nascida da admiração do cineasta Agustín Porfirio Delgado, que o chamava de “pequeno Shakespeare”, brincadeira por escrever muito apesar da pequena estatura: em espanhol, grafa-se “Shakespearito”, cuja pronúncia, “Chekspirito”, resultou em “Chespirito”.
Na autobiografia, Roberto Gómez Bolaños conta como, em 1968, assinou contrato com uma emissora de TV em ascensão, a Televisión Independiente de México, para inicialmente fazer um programa de meia hora nas tardes de sábado. A atração se chamava Chespirito e dois personagens se destacavam El Chavo del Ocho e El Chapulín Colorado. Os esquetes curtos e bem-humorados fizeram tanto sucesso que ele logo ganhou o horário noturno da segunda-feira – e em uma atração de uma hora de duração.
O êxito novamente foi tão estrondoso, especialmente entre as crianças, que cada personagem ganhou uma série semanal própria. El Chavo (cuja tradução seria “O Menino”, mas se tornou Chaves, no Brasil) era um menino órfão de 8 anos que vivia em um barril de madeira enquanto El Chapulín (Chapolin) era um herói atrapalhado que sempre aparece quando alguém precisa de ajuda.
A conexão imediata com os pequenos era motivada, segundo Bolaños, pela imediata identificação – no livro, ele revela suas suspeitas em relação ao sucesso dos personagens. “Chaves foi o melhor exemplo de inocência e ingenuidade das crianças. E é bem provável que tenha sido esta característica que gerou o grande carinho que o público passou a sentir por ele”, comenta ele, acrescentando: “Nunca pretendi que o público pensasse que eu era uma criança. Tudo o que eu procurava era que aceitasse que eu era um adulto fazendo o papel de uma criança”.
Chaves e Chapolin estrearam no Brasil pelo SBT, em 1984, com alguns anos de atraso em relação a outros países. Na época, as duas séries já não existiam mais como programas independentes. “Era o início de uma jornada de mais de 35 anos das obras de Chespirito no Brasil”, observa o coletivo Fórum Chaves, site de fãs do programa, que assina a introdução do livro. “Nesse período, os seriados se tornaram parte do imaginário do público brasileiro, que se diverte até hoje com aqueles personagens – e com nomes próprios ao nosso português: Chaves (El Chavo), Quico, Seu Madruga (Don Ramón), Chiquinha (Chilindrina), Dona Florinda, Chapolin Colorado (El Chapulín Colorado), Racha Cuca (Rascabuches), Quase Nada (Cuajinais), entre tantos outros.”
Ainda que tenha sido o último país latino a descobrir Chaves e sua turma, o Brasil logo desenvolveu uma paixão incomum pela série, a ponto de alguns mexicanos acreditarem que a idolatria aqui era maior que no próprio local de criação.
A autobiografia de Bolaños é repleta de lances curiosos – como sua relação com a política. Em geral, manteve-se distante, relacionando-a com práticas de corrupção e trocas de favores. Um grande exemplo aconteceu quando seu primo Gustavo Díaz Ordaz foi presidente do México, entre 1964 e 1970. Ele relembra que, ao saber da notícia da candidatura do parente, decidiu não manter contato com Ordaz durante todo o seu mandato.
Curioso também é o relato sobre o breve contato que teve com Pelé. Certo dia, Bolaños estava em um estúdio da Televisa quando lhe informaram que, em um telefone, o rei do futebol estava do outro lado da linha com uma proposta: realizar um filme juntos. “Ele queria que eu atuasse interpretando Chaves, e isso era algo que eu sempre tinha evitado e que continuaria evitando”, conta o mexicano, que explicou o motivo: o personagem ficaria grotesco na telona, pois era um produto da televisão e assim deveria permanecer.
Bolaños conta que Pelé entendeu os motivo e se despediram afetuosamente. Outro grande nome do futebol, o argentino Diego Maradona, também procurou o intérprete de Chaves, anos depois. “Você tem que saber que é meu ídolo”, disse o jogador, por telefone. “Não perco nenhum de seus programas e levei um bom número deles gravados em vídeo para Cuba”, continuou Maradona, que viajou para a ilha a fim de fazer um tratamento médico. “Assisti-los era (e continua sendo) o melhor remédio que tive para combater meus estados de depressão.”
Em 2019, estreou em São Paulo o espetáculo Chaves – Um Tributo Musical, elogiado trabalho dirigido por Zé Henrique de Paula sobre o famoso personagem e seus amigos e que chegou a arrancar lágrimas de Heriberto Lopez de Anda, diretor do Grupo Chespirito e que auxiliou Bolaños na direção cênica da série durante 13 anos.
Roberto Gómez Bolaños morreu em 28 de novembro de 2014, aos 85 anos, vítima de uma parada cardíaca, em sua casa, em Cancún. Dois dias antes, ele escreveu no Twitter para a fã Maria do Carmo: “Todo o meu amor para o Brasil”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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