Emanuel foi conduzido ao hospital da Ulbra, em Canoas, com queimaduras no corpo, principalmente no braço direito, e precisou ser internado após inalar a fumaça tóxica, a exemplo de outros 636 feridos naquela madrugada de 2013. Filho de um bombeiro aventureiro, que gostava de levar os filhos para velejar e, por diversas vezes, sofreu com problemas como tempestades, quebra do mastro, encalhamento ou ficar à deriva, Emanuel manteve a calma durante o início das chamas e conseguiu se salvar. Mas a fumaça levou à entubação durante dez dias.
Após esse período, passou aos cuidados da equipe de pele. A enfermeira que ficou como a responsável por tratar das queimaduras segundo e terceiro grau foi Mirélle.
Naquele momento, ela vivia um inferno pessoal: assimilar a morte do pai, Ediér Bernardini, assassinado no município de Agudo, entre Santa Maria e Santa Cruz do Sul. O avô, de 90 anos, entrou em um período depressivo após a morte do filho e parou de se alimentar. Morreu 90 dias depois.
Enlutada, Mirélle mergulhou de cabeça no trabalho. Ela se esforçou à exaustão no tratamento dos feridos na boate e, após a alta dos pacientes, tirou um período de férias. Foi quando Emanuel deixou o hospital para se cuidar em casa.
Os dois trocaram contatos para que Mirélle pudesse auxiliá-lo na troca de curativos. Eles passaram a conversar sobre outros assuntos para além dos cuidados médicos. Ambos, fragilizados, se apoiaram, desabafaram e encontraram, um no outro, um suporte.
“Após férias, ela retornou para o hospital de Canoas, onde eu morava e ainda moro. Nos encontramos, começamos a sair mais vezes e nos apaixonamos. Então veio o namoro, o casamento em janeiro de 2018 e estamos juntos até hoje. Temos uma filha, a Antônia, que nasceu em setembro de 2019”, conta Emanuel, com um semblante muito mais leve, alegre e sorridente do que mostrou durante o seu depoimento no julgamento do Caso Kiss, em Porto Alegre, na quinta-feira.
Segundo Mirélle, “foi uma união por fatos difíceis”. “Quando ele apareceu no hospital, eu ainda estava ‘digerindo’, de luto. Foi conversando sobre as depressões da vida, sobre como é difícil perder alguém, se reerguer. Eu até citei nos meus votos do casamento que no momento mais difícil das nossas vidas a gente se conheceu e se reergueu juntos”, relembra ela.
E foram juntos que deixaram o Foro Central de Porto Alegre, quando Emanuel voltou para casa. Durante o depoimento, ele deveria participar apenas como uma testemunha, um sobrevivente, mas pela formação de engenheiro especializado em prevenção contra incêndio fez quase um relato técnico a juiz, promotores do Ministério Público, assistentes de acusação e advogados de defesa. “Outras Kiss, estatisticamente, vão acontecer. Depois da Kiss, ainda aconteceram incêndios como o do Hospital do Badim, no Rio (2020), no Ninho do Urubu (2019), no prédio da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (2021), e no Museu Nacional (2018). O Brasil é um dos países no mundo com mais mortes decorrentes de incêndios. A raiz do problema é muito ampla, não é uma só. A legislação, por exemplo, é confusa. No Rio Grande do Sul, ela nem está completamente pronta.”
CICLO. O casal vê o julgamento como um encerramento, porém se sente injustiçado em outra situação: o júri do assassinato do sogro de Emanuel, o pai de Mirélle, ainda não ocorreu. “O inquérito foi rápido. Em 30 dias já tinham o pessoal que assassinou meu pai e em 43 dias determinaram prisão preventiva. Mas já foram feitos três júris e nenhum foi concluído. Depois que começou a pandemia, está parado. A Justiça é importante para a gente fechar um ciclo”, diz ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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