A ameaça, agora, vem pelo o que define como “outra forma de autoritarismo”, hábil em capturar e desmantelar instituições e normalizar comportamentos públicos até então considerados inaceitáveis.
O senhor avalia que a democracia tem seu maior teste desde o fim da Guerra Fria. Quem são os grandes responsáveis por isso?
Do ponto de vista do Ocidente, é um processo que começou lá atrás. Em 1994, na eleição de meio de mandato nos EUA, o presidente Bill Clinton parecia imbatível. Vendo isso, (o republicano) Newt Gingrich desenhou uma nova estratégia, de trazer questões morais para o centro do debate político. Os republicanos ganharam e recuperaram a maioria na Câmara. A estratégia foi um sucesso. Mas, com Trump, ela se voltou contra o próprio Partido Republicano. O populismo, inventado na Argentina, por Perón, e copiado aqui no Brasil por Vargas, é um fenômeno latino-americano. Ele havia sido substituído pelas ditaduras militares, e depois por governos mais tecnocratas. Mas, com Trump, essa onda ressurgiu na América do Sul. E na Europa a questão da imigração facilitou a ascensão do populismo de direita. Polônia e Hungria não tinham tradição democrática e foram capturadas por líderes de direita populistas.
Qual a responsabilidade das plataformas digitais nisso?
Os posts que são apresentados para nós são aqueles que mais se parecem com o que pensamos. O diálogo e a negociação vão se enfraquecendo, porque não temos contato com argumentos dos quais discordamos. O objetivo das plataformas é o engajamento. O engajamento é emocional. E as duas emoções mais potentes para o engajamento são a raiva e o medo. É por isso que as teorias conspiratórias de que há alguém tentando nos destruir têm tanto êxito. Elas provocam medo e raiva, a ponto de um grupo de pessoas invadir o Capitólio, na maior democracia do mundo.
Como avalia as ações de big techs para conter esses danos?
Está engatinhando, sendo experimentado. Embora não existam leis que responsabilizem juridicamente as plataformas, há uma responsabilização por parte da opinião pública.
A pandemia testou governos populistas. Como se saíram?
O populismo passa por cima não só da representação no Congresso, mas também do conhecimento técnico e científico e do jornalismo. Dependendo da situação, também da Justiça, da Suprema Corte. Essas quatro instâncias são os grandes obstáculos ao poder ilimitado buscado pelo populismo. É por isso que nos lugares governados por populistas houve negacionismo.
Qual será o papel da China no pós-pandemia, e o que isso significa para a democracia?
Vi uma mudança importante a partir da eleição de Donald Trump. Antes, os analistas, professores, que estão ali (na China) para reforçar o pensamento do regime chinês, tinham a posição de que a China era um país único, singular. Depois da eleição, a posição começou a ser de “olha, a democracia ocidental não parece estar indo muito bem, não parece ser um sistema tão perfeito como vocês diziam, e olha, temos aqui um sistema que funciona muito bem”.
A América Latina passa também por seu maior momento de estresse desde a Guerra Fria?
Sim, é um fenômeno mundial. Em nenhum lugar a democracia está se consolidando. Em todos os lugares ela está se deteriorando. Aqui, o principal componente também é o populismo. Os partidos estão muito enfraquecidos. O surgimento de outsiders é o grande fenômeno. Há uma repulsa contra a política tradicional, e a busca desesperada por novas soluções, novos líderes. Há um grande desencanto, e há bons motivos para isso. A política tradicional realmente foi muito destrutiva. E esses sentimentos de pessoas que se sentem excluídas pela globalização, pela democracia, pela própria justiça, são sentimentos muito legítimos. Nada é frívolo, é tudo muito sério. A democracia se mostrou incapaz de contemplar, de ter canais para responder a essas frustrações.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.