“Eu não preciso de carro e, quando tenho de sair, meu pai me leva ou uso transporte público ou aplicativos”, resumiu o estudante universitário Milton Moreira, de 21 anos, que vive em Santo André, no ABC paulista. Em entrevista ao Estadão, ele contou que atualmente, por causa da pandemia, não tem saído de casa. Mas acrescenta que nunca teve mesmo o entusiasmo por um carro, comportamento que é comum entre pessoas de sua idade. “Muita gente tem esse desejo, mas eu não tenho. Agora, então, com a pandemia, nem saio de casa”, afirmou o estudante.
O jovem argumenta ainda, que, por não dirigir, fica livre de custos de manutenção ou despesas com eventuais acidentes. O estudante já adiantou que “em curto prazo” não pretende pilotar. “Quem sabe mais para a frente”, afirmou.
Já a professora Carolina Cheres Nogueira, de 27 anos, que não tem CNH, contou que nunca teve o desejo de ter carro ou dirigir. “Quando eu era mais jovem, meu pai, que era instrutor de autoescola, sempre quis que eu tivesse a ‘carta'”, relatou. “Mas ele faleceu quando eu tinha 18 anos e nunca fui atrás disso. Era um desejo mais dele do que meu”, explicou Carolina, que é professora-assistente em escola de ensino fundamental no Butantã, zona oeste da capital. “Eu não me preocupo com isso”, afirmou. “Para voltar das minhas festas à noite, eu já usava táxi antes de aparecer Uber, até porque eu não entro em carro de amigos alcoolizados. E também uso o transporte público, nunca tive problemas com isso”, disse a professora.
Para Carolina, que dá aulas para classes de quarto e quinto ano, o comportamento dos jovens está mudando porque há muitas opções de transporte com vários aplicativos. “Eu uso até para viajar, vou para o Guarujá por R$ 20”, justificou. Carolina argumentou ainda que agindo assim “não chega nem perto dos custos que teria para comprar um carro, sem falar das despesas com manutenção”. Ela lembra, ainda, que sempre que vai às compras, no centro da cidade, vai e volta com aplicativo. “Assim evito o trânsito, o estacionamento, a Zona Azul. É muito mais prático.”
Queda desde 2017
De acordo com o levantamento do Detran, a redução nas CNHs foi de 262.377 casos em junho, em relação ao mesmo mês de 2020, quando foram observados os dados na faixa etária de 18 a 30 anos. Na comparação, houve um aumento de habilitações de 2015 para 2016 (de 4.872.801 em 2015 para 4.882.987 em 2016). Depois disso, segundo os relatórios do Detran, a queda é constante desde 2017 (veja quadro).
Para Márcia Menezes, diretora executiva da Federação Nacional das Cooperativas de Trabalho dos Médicos e Psicólogos Peritos de Trânsito (Fenactran), vários fatores explicam a queda do interesse dos jovens pela carteira de motorista. “Eles já não fazem questão de dirigir”, disse a psicóloga. “O que mais salta nas observações é o valor do carro, o uso e a manutenção, valor da vaga de estacionamento, que é alto para grande parte dos jovens, além do valor da própria CNH”, explicou a especialista. Para ela, muitos jovens até buscam a habilitação, mas é mais como um troféu, para motos ou para usar o carro da família.
O que mais ocorre, segundo Márcia Menezes, é a opção pelos aplicativos de locomoção. “Os universitários, por exemplo, têm os gastos com os estudos, buscam morar mais perto das faculdades e vão caminhando ou de bicicleta”. Um levantamento da organização Monitoring the Future, segundo ela, aponta um desinteresse mundial crescente pelos carros.
Para a perita, há sim uma mudança no comportamento social em relação aos veículos. “A representação social sobre veículos é tida como essencial pelos mais velhos, acostumados a ver o carro como símbolo da independência, de conquistas e poder”, ressaltou. “Hoje, a carteira de motorista é uma escolha influenciada pela crise econômica, pelos inconvenientes do trânsito, os custos para manter um veículo próprio e a popularização de aplicativos”, completou.
A psicóloga vê também um aumento da preocupação das pessoas por mais qualidade de vida e por controle do próprio tempo longe dos congestionamentos. Isso tudo, conclui, se somou ao comportamento dos mais jovens. E a pandemia provocou redução também. As autoescolas e os peritos, por exemplo, ficaram pelo menos seis meses parados, explicou a perita. Outro elemento é o custo médio nacional da CNH – de R$ 1,6 mil a R$ 2,3 mil
Cenário já era esperado
De acordo com Juliana Guimarães, da Comissão de Saúde Mental da Associação Brasileira de Medicina do Trabalho (Abramet), o cenário de queda na procura pela CNH já vinha sendo observado. “Essa queda entre os jovens já era notada não somente com os carros, mas também no caso de imóveis, dentro dessa cultura nova de permanecer em casa, investir o dinheiro, por exemplo”, disse Juliana Guimarães. “No caso do carro, hoje temos alternativas como aluguel temporário de veículos, uso de aplicativos. Isso tudo mudou a dinâmica da sociedade”, explicou a técnica da Abramet. “Estamos aqui falando de uma classe média e média alta, que está empregada”, justificou Juliana, lembrando que a representação social do carro e da CNH é uma característica brasileira, diferente de outros países, onde as pessoas caminham mais e usam bicicletas.
Ela lembrou ainda que os preços no processo da primeira habilitação são altos – na média nacional, de R$ 1,6 mil a R$ 2,3 mil, com exames, taxas e autoescola. “É caro, mais do que um salário mínimo, para os economicamente desprivilegiados.”
Mas ela vê, sim, uma mudança na queda das CNHs para jovens durante a pandemia, a dos jovens em dificuldades econômicas “que usam a habilitação para trabalhar”. Esse público jovem “foi em busca da CNH como alternativa de primeiro emprego”, disse. “E a hipótese que a gente levanta é o crescimento nos serviços de entrega, aplicativos de delivery”, afirmou. Uma corrida pela habilitação, “que se nota pelo uso de motos e carros de quentinhas”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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