Americano de origem porto-riquenha, Miranda, no entanto, não era novato no ramo dos musicais – exatamente dez anos antes, em 2005, ele estreou, no circuito off, In the Heights, espetáculo que vinha rascunhando desde 1999, em seu segundo ano de faculdade, e que celebra a comunidade de imigrantes de Nova York na qual ele cresceu. Impulsionado pelo sucesso de Hamilton, Miranda conseguiu levar para o cinema uma versão desse musical, que estreia nesta quinta, 17, no Brasil com o título Em Um Bairro em Nova York.
Trata-se de uma declaração de amor ao local onde Miranda viveu. A trama se passa no bairro predominantemente dominicano de Washington Heights, em Upper Manhattan. O filme, dirigido por Jon M. Chu (o mesmo de Podres de Ricos) e escrito por Quiara Alegría Hudes (que escreveu o libreto original), segue personagens interpretados por Anthony Ramos, Leslie Grace, Melissa Barrera e Corey Hawkins enquanto cada um trabalha para perseguir seus sonhos de carreira – algo semelhante ao vivido pelo próprio Miranda que, como qualquer outro artista jovem e confiante, foi motivado pela ambição.
“Eu tinha muito medo, honestamente”, afirmou ele em uma entrevista à Associated Press. “Foi um grande despertar para mim, aos 18, 19 anos, começar a estudar teatro. O medo era: estou entrando em um ramo em que não há espaço para mim, que não há papéis para mim. Ou seja, ninguém vai escrever o espetáculo dos meus sonhos, a cavalaria não está vindo me salvar.”
A chegada de Em Um Bairro de Nova York mostra, portanto, que Miranda – chancelado pelo sucesso de Hamilton – descobriu o caminho da tal salvação: filmado de forma exuberante e até extravagante por Jon Chu, o musical, rodado em 2019, chega atendendo às expectativas dos fãs em época de pandemia e isolamento social. Repleto de canções e danças, inspirado nos luxuosos musicais da Metro dos anos 1950, o longa celebra a experiência dos latinos com a imigração, retratada pela rotina daquele bairro que mistura etnias e culturas, em um momento de muito calor no verão nova-iorquino.
Previsto para estrear no ano passado, o filme foi adiado por causa da pandemia. Miranda ameaçou lançá-lo em plataformas de streaming, mas preferiu esperar. Atitude correta: Em Um Bairro de Nova York é um gigantesco lembrete do que estávamos perdendo, em 2020, dentro e fora das telas, por causa da pandemia. Chu chama o filme de “vacina contra tristeza”.
“Filmamos durante o melhor verão das nossas vidas, em 2019”, afirma Miranda, ainda à AP. “Isso mostra como é maravilhoso quando nos juntamos para cantar uma música ou abraçamos nossos pais sem medo. Agora, isso nos afeta de um jeito diferente.”
Oscilando entre dançarinos que ocupam a tela inteira e retratos íntimos da vida dos imigrantes, Em Um Bairro de Nova York conta uma história tanto particular quanto comunitária. Em um papel escrito originalmente por Miranda, Anthony Ramos estrela o filme como Usnavi, um dominicano que vive nos EUA, dono de uma bodega, que sonha em voltar para o Caribe. Ramos já havia interpretado Usnavi em uma montagem regional do musical, mas o sucesso veio com Hamilton, em que viveu dois personagens, John Laurens e Philip Hamilton.
“As histórias de todas essas figuras soam tão familiares à minha vida e às pessoas da minha história, que eu via nas comunidades em que cresci, em Bushwick e no Brooklyn, em Nova York”, afirma Ramos à AP. “São registros da comida que cresci comendo, da música que cresci escutando. Eu sei quem é o cara da raspadinha de gelo.”
Essa figura, aliás, é interpretada por Miranda no filme: no palco, ele viveu Usnavi, nas primeiras temporadas do musical. Aliás, muitos artistas que participaram da montagem original, na Broadway, aparecem na coreografia final, entre hidrantes jorrando água. Alguns dos figurantes são alunos de uma escola próxima que montaram seu próprio Em Um Bairro de Nova York, visto pelos realizadores e que se inspiraram nela.
Para Miranda, a passagem do tempo provocou reflexões sobre o que os latinos conquistaram desde então, e o que ainda precisa mudar. “Em Um Bairro de Nova York era tipo um unicórnio quando estreou na Broadway, em 2008, especialmente em relação à representatividade dos latinos no teatro comercial. Se olhamos para as pesquisas anuais de público nos teatros, vemos um pico de espectadores latinos em 2008, mas, depois que encerramos as exibições, eles voltaram a não aparecer.”
Cerca de 60,6 milhões de hispânicos vivem nos EUA, de acordo com o Census Bureau. E muitos são cinéfilos devotados: os latinos têm liderado consistentemente as bilheterias, respondendo por 29% dos ingressos vendidos, segundo o informe mais recente da Motion Picture Association.
Mas eles representam 4,5% de todos os personagens com falas ou nomeados nos filmes e meros 3% de atores principais ou coadjuvantes, segundo um estudo feito em 2019 de 1.200 filmes populares lançados de 2007 a 2018, pela Annenberg Inclusion Initiative.
Lançamentos futuros, porém, podem minimizar o problema: Cinderela vai trazer a cantora americana-cubana Camila Cabello, The Hitman’s Wife’s Bodyguard será estrelado pela mexicana Salma Hayek e o remake de Amor Sublime Amor, dirigido por Steven Spielberg, promete inundar a tela com figuras latinas. Além disso, os estúdios trabalham no remake de O Pai da Noiva com a estrela da música Gloria Estefan, ao lado de Andy Garcia (ambos americanos-cubanos).
Em meio à euforia, Miranda foi surpreendido por uma crítica: descobriu-se que Em Um Bairro em Nova York traz poucos personagens afro-americanos. “Ao tentar pintar um mosaico da comunidade latina, ficamos aquém. Realmente sinto muito”, lamentou-se Miranda, em sua conta no Twitter. (Com agências internacionais)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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