Antes que você comece a pensar na Embaúba Play como apenas mais uma plataforma a operar no streaming que substituiu o cinema no mundo pós-covid, é bom saber que o projeto é mais antigo e é até anterior ao da Embaúba Filmes. Desde que surgiu no mercado, em 2018, a distribuidora que tem curadoria de Daniel Queiroz reflete muito a personalidade do seu criador. Daniel acredita no cinema autoral brasileiro. Ligou-se à Semana dos Realizadores, do Rio, que virou vitrine do cinema de experimentação.
Na Embaúba Filmes, que tem uma carteira de cerca de 30 títulos, ele conseguiu colocar nos cinemas o deslumbrante Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumaens. Na Embaúba Play, a expectativa é chegar no fim do ano com 500 títulos na carteira. Davi contra Golias. Quem não conhece a história bíblica? Quem nunca ouviu da luta de Dom Quixote contra os moinhos de vento na obra-prima literária de Miguel Cervantes? Tem horas em que Daniel se sente assim, “dando murros em ponta de faca. Não é fácil enfrentar as grandes plataformas de streaming, mas a nossa tem um recorte muito particular. Só filmes brasileiros autorais, que muitas vezes não conseguem nem chegar ao mercado”.
Para tirar esses filmes do nicho e projetá-los na internet – “a nova locadora virtual”, segundo ele -, Daniel conseguiu apoio da Lei Aldir Blanc, por meio do governo de Minas, para uma iniciativa ousada. A partir desta sexta, e por um mês, a Embaúba Play marca seu nascimento com uma mostra de 80 filmes organizados em seleções por quatro curadores. Todos estarão disponíveis gratuitamente no site wwwembaubaplay.com.
Os programas dividem-se em Também Somos Rascunhos, pelo olhar de Ewerton Belico, A Fluidez da Forma no Cinema Indígena, por Júnia Torres, Orgia ou O Cinema Que Deu Cria, por Victor Guimarães, e Testemunhar, Fabular, Existir – Modulações de Um Quilombo Cinema Brasileiro Contemporâneo, formado por curtas de jovens autores negros, selecionados por Tatiana Carvalho Costa.
Ao contrário das outras plataformas de streaming, na Embaúba Play o espectador não terá de pagar mensalidade, adquirindo os filmes avulsos a uma média de US$1,50, ou R$10 por título, durante 72 horas. “A intenção é ampliar as possibilidades de circulação de obras que dificilmente seriam vistas fora do circuito de mostras e festivais. Nosso público alvo é o espectador de filmes brasileiros que fogem do óbvio, pessoas dispostas a pagar pelos conteúdos sabendo que, dessa maneira, vão contribuir com os filmes, que ficam com 60% do faturamento, e com a manutenção da própria plataforma.”
Embora esteja surgindo agora, quando o streaming virou um modismo – ou a ferramenta para se ver e lançar os filmes na pandemia -, o projeto data de 2013. “Nasceu de um incômodo, a comprovação de que filmes para nós excelentes não tinham o mesmo atrativo para o mercado e simplesmente sumiam do mapa. Mais do que escolher filmes pontualmente, privilegiamos uma seleção de cineastas com filmografias relevantes, construídas, em boa medida, nos últimos dez ou 15 anos.”
Daniel Queiroz conversa com o jornal O Estado de S. Paulo de casa, distante dez quilômetros de Belo Horizonte. Não há de ser por bairrismo mineiro que tanto a Embaúba como, agora, a Embaúba Play contemplem filmes de autores de Minas. Affonso Uchôa e André Novais de Oliveira colocaram Contagem no mapa do cinema mundial, aclamados por publicações de língua inglesa, como Film Comment, ou com participações em festivais internacionais. André começou mostrando seus filmes em Cannes. O que A Vizinhança do Tigre e Arábia, os grandes filmes de Uchôa, podem ter de tão interessantes para a intelectualidade nova-iorquina? Tudo – a Film Comment é uma publicação do Lincoln Center, de Nova York. Coloca os filmes de Uchôa nas nuvens.
Há muita coisa boa, visceral, para se ver na programação gratuita da Embaúba Play – Batguano, de Tavinho Teixeira, Vida, de Paula Gaitán, Santos Dumont – Pré-Cineasta, de Carlos Adriano, Yãmyhex – Mulheres Espírito, de Sueli e Isael Maxakali, Os Dias com Ele, de Maria Clara Escobar, Martírio, de Vincent Carelli, etc. Oito filmes totalmente inéditos terão sua pré-estreia na mostra.
Na abertura e no encerramento, serão exibidos o curta Sem Título # 1 – Dance of Leitfossil, outra joia de invenção de Carlos Adriano, e A Grávida da Cinemateca, de Christian Saghaard. Esse é um filme muito particular. Em meio às manifestações contra a crise da Cinemateca Brasileira – e o descaso do atual Governo Federal pela cultura -, uma funcionária descobriu-se grávida. Vida que surge, sinal de esperança. Como a Embaúba Play para o cinema brasileiro autoral e independente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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