Empreendedorismo de impacto no interior se alia a universidades para crescer

Apesar de 36% dos negócios de impacto socioambiental estarem sediados no interior dos Estados brasileiros, a centralização do ecossistema de apoio ao empreendedor nos grandes polos urbanos faz com que muitos não consigam acessar investimentos e programas de aceleração, o que aumenta a dificuldade de viabilizar um modelo financeiro sustentável. É o que aponta a terceira edição do Mapa de Negócios de Impacto Social + Ambiental da Pipe.Labo, que acompanha a evolução do pipeline de empresas de impacto positivo no País desde 2017 (veja estudo completo).
De acordo com o mapa, o Sudeste abriga 58% desses negócios, com destaque para o Estado de São Paulo (40%), seguido por Rio de Janeiro (11%), Minas Gerais (6%) e Espírito Santo (2%). Os demais se distribuem entre Nordeste (16%), Sul (15%), Centro-Oeste (5%) e Norte (5%). Entre as empresas, 71% estão formalizadas, mas a grande maioria ainda não possui faturamento consistente.
O mapa observou ainda tratarem-se de negócios relativamente jovens: 34% têm até 2 anos, 30% de 2 a 5 anos, e 25% têm 5 anos ou mais. Outro fator interessante é que essas empresas conversam com perfis mais desatendidos e diverso de empreendedores, segundo Lívia Hollerbach, uma das coordenadoras do estudo.
“Há um número maior de jovens, entre 18 e 24 anos, pessoas com mais de 50 anos, mulheres e não brancos”, ela destaca. “É um perfil de empreendedor que não está nos grandes centros com a mesma força.” Com um networking mais restrito e menor conexão com investidores, esses empreendedores buscam apoio e parceria com cooperativas e universidades para que os negócios ganhem mais robustez.
“Essas instituições acabam fazendo o papel de guarda-chuva e hoje incentivam muito a produção tecnológica, mas a academia no Brasil ainda está muito distante do mercado”, explica Hollerbach. “É fundamental a formação de mais incubadoras para fomentar a visão de business e essa cultura empreendedora, além de entidades que façam o trabalho de fortalecimento das pequenas cooperativas para que se entendam como negócios e consigam se plugar às grande indústrias.”
Parcerias com universidades e fundações
Criada há 4 anos em Campinas, no interior de São Paulo, a startup PrintDreams3D, dos engenheiros Artur Teixeira, Lucas Veríssimo e Paulo Ferrarolli, desenvolveu uma solução para baratear próteses mecânicas feitas sob medida. Com a tecnologia de impressão 3D, a empresa primeiro se uniu ao Biofabris da Unicamp, que desenvolve projetos no setor de tecnologia.
“Depois o Sebrae fez uma seleção de 10 startups da região para acelerar e nós fomos uma das escolhidas”, conta Lucas Veríssimo. “Aí começamos a ser recebidos em locais onde sozinhos talvez não tivéssemos essa facilidade.”
Trabalhando em parceria com instituições como Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Abotec (Associação Brasileira de Ortopedia Técnica), o próprio Sebrae, Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), IFBA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia), GTMAX (fabricante de impressoras 3D) e o Centro de Reabilitação de Sousas, em Campinas, a startup foi abrindo portas e hoje atende clínicas ortopédicas que são referência no mercado.
A patente nacional conquistada pela empresa custa 20% a 10% do valor das marcas importadas – o que tornou o produto mais acessível à população de baixa renda. As próteses da startup são uma opção intermediária entre as de silicone ou madeira, que são meramente estéticas, e as eletrônicas, que são funcionais, mas caríssimas.
“Embora de acionamento mecânico, nossa prótese propicia mais funcionalidade para quem está usando”, explica Ferrarolli. “Além de ser mais leve e personalizada para cada cliente, ela é também perfeitamente ajustável e exige menos etapas intermediárias para chegar ao resultado.” Ele também lembra que, no caso das crianças, a tecnologia da impressão 3D permite que a prótese as acompanhe por mais tempo, sendo necessário trocar apenas partes ao longo do crescimento.
O sócio afirma que, além do aspecto emocional, existe um aspecto terapêutico importante nisso. “Sem a prótese funcional, os sistemas neurais ficam mais adormecidos ou são treinados apenas para fazer apoio”, ele relata. “Quanto mais cedo a criança usa, mais ela aprende que não é só um membro de apoio e, em 20 anos, vai se adaptar muito mais fácil a uma prótese eletrônica ou biônica.”
Agora a startup está requerendo, em parceria com Sebrae e Sesi, a patente de suas capas, que cobrem próteses de metal. Batizadas de “tatuagens móveis”, elas podem ter diferentes imagens, estilos e cores. Hoje com 250 clientes e exportando para 47 países da Europa e 8 das Américas, a startup cresceu 180% de 2019 para 2020. Mas a maior conquista mesmo é emocional, segundo os sócios.
“Tem relatos de professores da escola que falam que a criança que antes era rejeitada pelos colegas vira um super-herói quando chega com a prótese”, diz Veríssimo.
Reciclagem com cashback
Apoiada em tecnologia para resolver um problema ambiental, a fintech Coletando, de Barueri (SP), fundada em 2008 pelo administrador de empresas Saulo Ricci, apostou em um modelo de cashback para engajar indústrias, comunidades e pessoas na causa da reciclagem.
Com aplicativo e cartão próprios, a startup incentiva a logística reversa através de seus ecopontos móveis, distribuídos em pontos estratégicos, como Morro da Alemão, Rocinha e Estádio do Maracanã (Rio de Janeiro), Jardim São Luiz, Cajamar e Paraisópolis (São Paulo).
A ideia do empreendedor é que todo mundo contribua para a economia circular, que por sua vez gera renda para os moradores, o comerciante local ou o catador de recicláveis. As pessoas trocam seus resíduos nos ecopontos por um valor em dinheiro que é disponibilizado em sua conta digital da Coletando, por meio do cashback.
O cálculo é feito com base no volume e categoria de resíduo (óleo de cozinha, embalagem longa vida, metais, vidros, papel, plásticos e eletrônicos) e o valor acumulado pode ser utilizado por meio do cartão para diversas finalidades, como gastos com transporte, recarga de celular, alimentação e até compras internacionais.
Consultoria para educação pública
Outro negócio nascido para resolver uma das principais dores sociais do País – a educação – é a Elos, consultoria de planejamento e orientação educacional de Santo André, no Grande ABC. Criada em 2011 pelas educadoras Claudia Zuppini e Silvana Tamassia, a empresa contribui para a formação de professores, equipes gestoras, equipes técnicas e lideranças das secretarias das escolas, com o objetivo de qualificar a prática pedagógica.
Entendendo que as metodologias antigas não são tão eficazes quando aplicadas nas salas de aula de hoje, a Elos teve seu curso de gestão para aprendizagem reconhecido pela Unesco como um dos seis melhores da América Latina.
“O cenário atual da educação no Brasil traz números não tão animadores”, diz Silvana Tamassia. “Os resultados estão crescendo a passos lentos e existem grandes desafios para os professores. Um deles é entender que cada sala de aula é uma sala de aula.”
A ideia da empresa é envolver professores e toda a comunidade gestora para compreender e adaptar metodologias de ensino que dialoguem de fato com a realidade dos alunos – e a realidade local de cada escola. A consultoria, que atuou em mais de 4 mil escolas públicas de 25 estados brasileiros em seus 10 anos de vida, já impactou o aprendizado de mais de 1,8 milhões de alunos.
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