Dirceu Antonio Ruaro
Gosto muito de poemas que trazem ensinamentos para nossa vida cotidiana. Um dos autores que contribuem muito para isso é John Donne, poeta inglês, falecido em 1.631.
Um dos seus textos que nos ensina a perceber o outro e valorizá-lo é esse: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por vós”. – Meditações VII.
Penso que a nossa maior perplexidade trazida pelo isolamento social, causado pela pandemia do Covid-19, foi a consciência do quanto o outro é importante. O espanto não é sem razão. Há muito que carregamos a cultura do individualismo.
No século XVII, Descartes declarou o “penso, logo existo”. Para ele o outro é um produto do meu pensamento. O outro sou eu que crio. Porém, depois do filósofo francês e a sua máxima, vieram muitos outros para dizer exatamente o contrário. Mas, já era tarde, o individualismo ganhou raízes e hoje habitamos o planeta do empreendedorismo, do homem que se faz sozinho.
O senso comum diz que, nos primórdios, o homem vivia sozinho e depois foi viver em grupo, no coletivo. Ora, passa-se exatamente o contrário: a partir do coletivo, tendo o outro como espelho, é que nasce o indivíduo. É a famosa inversão do sociólogo Émile Durkheim: o individual é um produto do coletivo. Não existe o homem “feito por si mesmo”.
Surgimos a partir do outro e esse processo segue pela vida. Para nascer, precisamos de dois outros: um homem e uma mulher. Depois, em família, somos formados por outros, nossos irmãos, e mais outros, nossos familiares e mais outros, nossos vizinhos, nossos amigos, nossos colegas de estudo e de trabalho, enfim, milhares de outros.
No dia a dia, todos os que se dirigiram a nós, mesmo para uma única frase. Aqueles que fizeram uma boa ação ou nos disseram uma palavra de encorajamento. Os que nos amaram, nos desprezaram, nos diminuíram, nos rejeitaram…
Todos entraram na composição e são parte do que somos e do que pensamos. Fazem parte do nosso sucesso e do nosso fracasso; dos nossos medos e das nossas ousadias.
Desde pequenos aprendemos que o relacionamento interpessoal é fundamental para todos nós. Todo ser humano deseja o relacionamento com o outro.
Por isso pode-se dizer que precisamos uns dos outros para aprender, vivenciar e, principalmente, experienciar a vida, cada qual respeitando a sua própria jornada e sua busca pelos caminhos da felicidade.
E essa experiência inicia em casa, com nossos pais, nossos irmãos. Aprofunda-se na escola, com nossos professores e colegas e segue pela vida toda com todas as pessoas com as quais nos relacionarmos.
Assim, a ideia de “ensinar a viver os relacionamentos de forma saudável” parece ser uma das grandes tarefas da família e das escolas.
Ensinar a ver o que há de melhor no outro, destacando o que é positivo para não cair na tentação de destacar o que a nosso entendimento seja negativo na pessoa do outro.
Dizem os especialistas em relacionamento humano que “quando entramos no terreno do outro, o mais comum é destacar o que ele traz de negativo. Quando o outro reflete em mim algo que não me agrada, vem o conflito, a intolerância e até mesmo a indiferença”.
Assim, grande parte dos conflitos — nas relações íntimas, no racismo, na intolerância religiosa — vem da negação do outro. E essa negação não se traduz apenas nos conflitos explícitos. Há quem passe a vida inteira sem vínculos, sem assumir compromissos, numa espécie de “não” ao outro. Toca as pessoas de leve, como se toca uma parede com a ponta dos dedos. Evita-as, como se evita obstáculos.
Parece que têm medo de se aproximar, de se contaminar com o outro. As relações familiares, por conseguinte, precisam ser relações afetivas mais positivas, sinceras e acolhedoras possível se quisermos ensinar nossas crianças a se relacionarem consigo mesmo, numa aceitação de como são de fato, e no relacionamento com os outros, aceitando-os como são e não como os idealizamos.
Precisamos ensinar aos nossos filhos que os outros, ao passarem por nós, deixam marcas, assim como nós, os marcamos para a vida toda. Que saibamos ensinar a deixar marcar positivas, de vida, de alegria, de amor nas pessoas com as quais nos relacionamos, pense nisso enquanto lhe desejo boa semana.
Doutor em Educação pela Ubicamp, Psicopedagogo Clínico – Institucional, Pró-Reitor Acadêmico Unimater
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