As enchentes recentes no Rio Grande do Sul, ocorridas no início de maio, causaram a maior tragédia climática, e têm sido consideradas as mais devastadoras da história do Estado. Atingiram 385 cidades, afetando mais da metade dos municípios e deixando bairros inteiros submersos. Mais de 200 mil pessoas foram desalojadas de suas casas, das quais 47,6 mil precisaram buscar abrigos públicos.
Os danos humanos são significativos: 134 pessoas estão desaparecidas, e pelo menos 85 mortes foram confirmadas. A tragédia afetou mais de 1 milhão de pessoas, superando as cheias históricas de 1941.
A capital, Porto Alegre, deve enfrentar pelo menos mais 10 dias de enchentes, com o nível do rio Guaíba permanecendo acima dos 4 metros até o fim da semana. O sistema antienchente da cidade está sobrecarregado, o que deve dificultar o escoamento das águas, prolongando ainda mais a crise.
Porque choveu tanto?
Os temporais que atingiram o Rio Grande do Sul neste início de maio foram causados por uma massa de ar frio proveniente da Argentina. Esta massa ficou estacionada sobre o estado gaúcho devido à presença de uma massa de ar seco e quente que se estabeleceu no centro do Brasil, causando ondas de calor nas regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Esse bloqueio impediu que a massa de ar frio se movesse para outras regiões. Como resultado, a área afetada permaneceu sob uma instabilidade contínua, sofrendo com chuvas intensas e prolongadas, de acordo com meteorologistas da MetSul.
Porque tantos alagamentos?
Parte da chuva semi-estacionária aconteceu sobre a Serra e os Campos de Cima da Serra, regiões de nascentes de grandes rios do Estado, como Taquari e Caí, que também registraram cheias históricas.
Conforme o professor Fernando Mainardi Fan, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a capital Porto Alegre também sofreu com as cheias do Guaíba por estar posicionada geograficamente abaixo de outras regiões e rios importante do Estado.
“Então, sempre que dá uma grande chuva na região central ou noroeste do Rio Grande do Sul, essas águas descem em direção ao Guaíba, elevando os níveis”, disse ao Estadão. Neste caso, aconteceram chuvas extremas na região central do Estado, o que fez com que os níveis se elevassem de forma muito acentuada no Guaíba.
Motivos estruturais também explicam as cheias sem precedentes, como o rompimento de barragens, transbordamento de diques de proteção, e a incapacidade de bombas de sucção de realizarem todo o trabalho de escoamento da água. O sistema antienchente da capital gaúcha chegou ao limite, e uma das consequências dessa limitação é o refluxo de água pelos bueiros que também intensificam os alagamentos das vias.
Quais são os locais mais afetados?
Os locais do Estado mais afetados têm sido o centro-oeste do Rio Grande do Sul, o centro do estado (região de Santa Maria), região dos vales, o norte da Lagoa dos Patos, a Grande Porto Alegre, parte da Serra e o Litoral Norte. O Estado de Santa Catarina também vem sendo atingido pelos temporais.
Habitantes de cidades turísticas, como Canela e Gramado, além de municípios como São Francisco de Paula, Nova Petrópolis, Vale Real e Feliz tiveram que ser evacuados para buscar abrigos públicos longe da área de risco. Cidades gaúchas, como Fontoura Xavier e Soledade, registraram em dois dias volume de chuva três vezes maior do que a média histórica do mês, conforme o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Na região metropolitana, municípios como Eldorado do Sul, Canoas e São Leopoldo estão em grande parte debaixo d’água. O rio Guaíba, em Porto Alegre, ultrapassou os cinco metros, o que nunca tinha acontecido antes. O Centro Histórico da cidade ficou completamente alagado e o aeroporto Salgado Filho, na capital, suspendeu os voos até o fim do mês – imagens internas do local mostram a parte interna do espaço tomada pelas águas.
Ainda em Porto Alegre, cerca de 70% da cidade está sem o serviço de tratamento de água, porque quatro das seis estações não funcionam, enquanto as demais operam abaixo do normal. Por essa razão, foi determinado, nesta segunda, 6, o racionamento de água na cidade.
Porque o Rio Grande do Sul sofre tanto com esses eventos?
O Rio Grande do Sul está localizado em uma zona onde sistemas polares e tropicais se encontram, gerando condições propícias para fenômenos climáticos. O encontro entre o ar frio e o ar quente cria uma região de instabilidade.
Dois fatores agravam as condições climáticas na região:
- El Niño: Desde meados de 2023, o fenômeno tem contribuído para aumentar as temperaturas globais. Isso afeta os padrões climáticos no sul do Brasil, aumentando a ocorrência de chuvas intensas e prolongadas.
- Mudanças climáticas: O aquecimento global tem aumentado a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos. O número de dias com precipitações extremas (acima de 50 mm) em Porto Alegre aumentou significativamente nas últimas décadas, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Entre 1961 e 1970, foram registrados 29 dias de chuva intensa, comparados a 66 dias entre 2011 e 2020.
Essas condições criaram uma situação sem precedentes, levando a enchentes históricas no estado e intensificando os desafios na resposta e mitigação dos impactos.
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